O início de outubro foi desafiador para o conglomerado digital de Mark Zuckerberg. Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, fez várias acusações sobre a preocupação da empresa em privilegiar o lucro ao invés da segurança de seus usuários. A ação de Haugen parece ser uma continuação, fragmento ou mesmo recordação do documentário O Dilema das Redes (2020), que foi lançado pela Netflix pouco mais de um ano antes.
O filme combina entrevistas com dramatização para falar da manipulação das grandes empresas de tecnologia, as big techs, em favor da monetização e do direcionamento estratégico de publicidade, o chamado microtargeting. O depoimento da ex-funcionária atualiza ainda mais o documentário e reforça o que é visto em uma hora e meia de filme.
São várias as facetas do assunto debatidas pelos especialistas ouvidos. O Facebook estaria comprometendo a democracia por entregar ao usuário um conjunto de informações conforme a sua visão de mundo, dificultando o diálogo, facilitando o conflito e desafiando a compreensão mais ampla da realidade. Uma das consequências disso seria a polarização política. O Instagram, por sua vez, com sua multiplicidade de filtros e possibilidades de interação, estaria ligado ao aumento do número de suicídios de adolescentes, insatisfeitos e inseguros com a aprovação coletiva de sua imagem.
As fake news e o discurso de ódio seriam combatidos com pouco vigor pelo Facebook, afinal, mensagens chamativas e negativas tendem a espalhar-se com maior velocidade, angariando mais seguidores, prendendo a atenção das pessoas por mais tempo e, consequentemente, aumentando as possibilidades de os anunciantes venderem. Essas são apenas algumas das acusações feitas.
Pelo tema e pelo formato, O Dilema das Redes lembra muito outro documentário recentemente lançado pelo Telecine: Precisamos Falar Sobre A.I., também de 2020. As duas produções trazem tantas informações que chegam a cansar. Mas ambas têm seu mérito de provocar discussões que, sim, precisam ser feitas por toda a sociedade.
Um dos entrevistados é Tristan Harris, ex-designer ético do Google e que recebeu de alguns o rótulo de “a voz da consciência do Vale do Silício”. Em uma de suas falas, ele provoca: “Ao perguntar às pessoas qual é o problema da indústria da tecnologia, haverá uma cacofonia de queixas e escândalos sobre o ‘roubo de dados’ e o vício em tecnologia, além das fake news, da polarização e da influência nas eleições. Mas será que existe algo mais na raiz de todos esses problemas, algo que faz com que tudo isso aconteça de uma vez?”
A resposta caminha para o conceito de “capitalismo da vigilância”. O próprio Harris explica: trata-se do “capitalismo obtendo lucro pelo rastreamento infinito do que cada pessoa faz, monitoradas por empresas de tecnologia, que têm como modelo de negócios a garantia de que os anunciantes terão o máximo de sucesso”. Alguns especialistas ouvidos mencionam a necessidade de regulamentação por parte dos governos. Uma das propostas é taxar as empresas de tecnologia pelos dados que armazenam, incentivando a redução desse armazenamento que concede a elas tanto poder.
Difícil avaliar o documentário dirigido por Jeff Orlowski para além do conteúdo, considerando que o formato é bem convencional, com a inserção de muitas entrevistas. O pequeno diferencial é o uso de atores para dramatizar o fato de os usuários das redes sociais serem tratados como marionetes e de que forma uma família é afetada pelo vício em celular. Quanto ao conteúdo, pode-se considerar o tema bastante importante e a abordagem válida, apesar de ficar a sensação de que o tom catastrófico, apocalíptico, suplanta a busca (a busca, destaque-se, e não o alcance, que é impossível) de um tratamento mais imparcial sobre o tema. Afinal, haveria apenas desvantagem no uso de redes sociais? Com certeza não. Os entrevistados ouvidos até pincelam algumas reflexões a respeito. Mas não passam disto: pinceladas.
Pelo tema e pelo formato, O Dilema das Redes lembra muito outro documentário recentemente lançado pelo Telecine: Precisamos Falar Sobre A.I., também de 2020. As duas produções trazem tantas informações que chegam a cansar. Mas ambas têm seu mérito de provocar discussões que, sim, precisam ser feitas por toda a sociedade.