Aos fãs do western spaghetti Django (1968), de Sergio Corbucci, um aviso: não saiam de casa para assistir a Django Livre, novo longa-metragem de Quentin Tarantino, esperando um remake do clássico estrelado por Franco Nero. O astro italiano até faz uma participação especial, mas o que o diretor de Pulp Fiction – Tempo de Violência e Bastardos Inglórios oferece é bem mais do que uma mera releitura.
Tarantino, um cinéfilo compulsivo, capaz de incorporar à sua obra, sem preconceitos, referências dos mais diversos gêneros e escolas cinematográficas, do film noir aos épicos de artes marciais do Oriente e ao próprio western spaghetti, faz de Django Livre um filme político. Como assim?
Se em seus longas anteriores, o cineasta parecia mais disposto a estabelecer um diálogo sobretudo metalinguístico com o próprio cinema, sua história e possibilidades narrativas e estéticas, afirmando-se, sobretudo, como um mestre da forma, Django Livre anuncia um autor que também quer ter algo a dizer, em um roteiro, vencedor do Globo de Ouro, afiado e com diálogos impagáveis, porém bem mais linear do que seus trabalhos anteriores.
Django Livre anuncia um autor que também quer ter algo a dizer, em um roteiro, vencedor do Globo de Ouro, afiado e com diálogos impagáveis, porém bem mais linear do que seus trabalhos anteriores.
A trama nada tem de mirabolante. Django (Jamie Foxx) é um escravo cujo passado brutal e tortuoso o leva ao encontro do caçador de recompensas e dentista alemão King Schultz (Christoph Waltz, indicado ao Oscar de melhor ator coajuvante). Como apenas Django pode levá-lo a encontrar os irmãos Brittle, que vem perseguindo há algum tempo, Schultz compra o escravo com a promessa de libertá-lo quando tiver capturado os fugitivos.
Cumprida a missão, Schultz e Django decidem continuar juntos, tornando-se uma espécie de dupla implacável. Mas o ex-escravo tem algo mais importante em mente: encontrar e resgatar sua mulher, Broomhilda (Kerry Washington), agora propriedade do violento Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), dono de Candyland, uma plantação famosa por treinar escravos para embates mortais de luta livre.
Além de dar protagonismo a um personagem negro em um gênero de cinema historicamente ligado a brancos, Tarantino inova em relação à própria obra ao discutir, de forma por vezes contundente, a coisificação do ser humano nos Estados Unidos do século 19.
Renova-se também ao adotar tons distintos nas cenas de violência: se há a tradicional espetacularização da violência em cenas de ação, tiroteio e pancadaria, marca registrada na obra do diretor, o cineasta recua e se revela mais sóbrio, e econômico, ao tratar da violência movida pelo racismo, que eclode em decorrência da vergonhosa chaga da escravidão.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.