Eligio (Gael García Bernal) é daqueles maridos que chegam bêbados no meio da noite e, por mais que tentem não incomodar na hora em que se colocam suavemente debaixo dos lençóis ao lado da esposa, incomodam. São os pequenos deslizes do dia a dia que fazem com que, certo dia, Susana (Verónica Echegui) resolva deixar Eligio, seu marido, sem dizer o porquê e para onde foi. Ele acorda, começa a expor para a mulher que teve um pesadelo no qual ela o estava traindo e, de repente, percebe que ela não está mais na casa. Na verdade, passou-se um dia inteiro até ele efetivamente conseguir confirmar que não, ela não estava mais na casa.
É assim o início de Estás me Matando Susana (2016), dirigido pelo mexicano Roberto Sneider (que tem em seu currículo, entre várias obras, o crédito de produtor de Frida, de 2002). É assim o início, enfim, da trajetória do protagonista para encontrar e reconquistar a sua amada. Ele consegue descobrir que a esposa está em uma universidade em Iowa, nos Estados Unidos.
A história está longe de remeter ao título e ‘matar’ quem assiste de decepção e tédio, mas o conjunto da obra tende a provocar o espectador a dar alguns passos nessa direção.
Apesar de enquadramentos bem arquitetados (que, por exemplo, ora exploram câmera na mão, ora plano e contraplano no interior de um veículo, ora planos abertos que contextualizam o ambiente) e bons atores, Estás me Matando Susana não é capaz de encantar.
O motivo é a fragilidade de seu roteiro. A história está longe de remeter ao título e “matar” a quem assiste de decepção e tédio, mas o conjunto da obra tende a provocar o espectador a dar alguns passos nessa direção. É um roteiro que pouco atrai, uma história que pouco seduz.
Latinos em geral têm fama de serem mais passionais, exagerados, expansivos em suas falas e gestos. O que o filme dirigido por Roberto Sneider faz é aproveitar-se dessa concepção comumente difundida e tentar trabalhar sobre ela para arrebanhar risos. A obra, no entanto, não é lá muito feliz nessa missão. É fácil perceber uma apresentação estereotipada e até preconceituosa do mexicano.
Eligio mal chega em terras estadunidenses e precisa correr (literalmente) da lei por ter se negado a pagar o táxi que o conduziu do aeroporto ao seu destino. Ele também é frequentemente apresentado como o tagarela que concentra as atenções em uma mesa de bar e dispara gracejos com velocidade espantosa.
Além disso, Susana e Eligio formam o casal passional que gradualmente faz todos os hóspedes do corredor de um hotel saírem de seus quartos em razão da acalorada discussão sobre o relacionamento, uma discussão feita de forma espalhafatosa, sem qualquer discrição.
O contínuo fluxo de separa/reata/separa/reata movimentado pela dupla de protagonistas faz lembrar, tranquilamente, o famigerado “dramalhão mexicano”. Sobretudo quando se considera que um terceiro elemento, um grandalhão e calado poeta polonês (o que ele tem de grande, tem também de calado), “tempera” ainda mais o já apimentado universo no qual vivem Eligio e Susana. Substitua, aqui, “tempera” por “tumultua” e “apimentado” por “tumultuado” e você terá uma noção ainda melhor do que acontece no decorrer dos fotogramas.
Em meio aos defeitos, a cena final parece ser uma tentativa (tardia, é verdade) de inserir um pouco mais de qualidade e fazer com que o filme acabe sendo encarado pelo espectador como um retrato um tanto quanto exagerado do quão patético (e melodramático) pode ser um relacionamento amoroso.
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