Apontado como favorito absoluto ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Filho de Saul vem colecionando láureas desde que estreou no Festival de Cannes 2015, quando recebeu os prêmios Especial do Júri, presidido pelos irmãos Ethan e Joel Coen (de Onde os Fracos Não Têm Vez), e o da crítica (Fipresci). A mais recente foi o Globo de Ouro, que reforçou ainda mais suas chances de vencer a estatueta da Academia de Hollywood, em cerimônia que ocorrerá no próximo dia 28 de fevereiro.
Se vencer, o trabalho de László Nemes não será a primeira produção sobre o Holocausto na Segunda Guerra Mundial a ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro: entre vencedores que abordam o tema estão o italiano A Vida É Bela (1998) e o austríaco Os Falsários (2007). Mas, talvez, Filho de Saul seja o mais inquietante e formalmente ousado deles.
O diretor, estreante em longa-metragem, fez uma opção audaciosa: ele evita, a todo custo, o registro melodramático, abrindo mão, inclusive, do uso de trilha sonora. A câmera do húngaro tem como sujeito o protagonista, Saul (Géza Röhrig), optando por nos mostrar aquilo que ele vê, embora não se utilize o tempo todo de câmera subjetiva. Estamos com ele ao mesmo tempo em que somos ele.
Nemes é ambicioso ao nos colocar na posição desesperadora e claustrofóbica do personagem, cuja função no campo nazista de Auschwitz/Birkenau, na Polônia, é aterrorizante: ele faz parte da equipe que tem contato direto com os prisioneiros enviados à câmara de gás. Cabe a ele e seus companheiros retirar das vítimas tudo o que ainda têm de valor, como joias e ouro nos dentes.
O diretor, estreante em longa-metragem, fez uma opção audaciosa: ele evita, a todo custo, o registro melodramático.
A atividade, como se pode imaginar, é desumanizante, já que lhes é imposta e exige do grupo sangue frio e ausência de empatia. O custo pode ser a insanidade, e acaba neles despertando sentimentos vis e mesquinhos.
A jornada de Saul, contudo, extrapola todas as fronteiras da crueldade. Sem estragar a experiência do espectador, o personagem tem diante de si um dever, de cunho moral, religioso e emocional, avassalador. Mas Nemes opta por não amplificar esse sofrimento recorrendo a estratégias narrativas mais clássicas, que aliviam o sofrimento do público por meio de uma catarse, digamos, mais sentimental.
Filho de Saul é profundamente humano, porém árido, doloroso e não busca as lágrimas fáceis, mas o incomodo de percebermos do que os seres humanos são capazes, nos colocando no interior do campo de concentração, em uma proximidade sempre incômoda. Faz pensar no clássico do teatro grego Antígona, de Sófocles, e, embora tenha em seu desfecho uma ou duas cenas de certa maneira esperançosas, nos esfola.
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