Num futuro não muito distante, os Estados Unidos mergulham em uma guerra interna sangrenta e visceral. O presidente está encurralado na Casa Branca, envolto em um cerco tenso em Washington, D.C. Enquanto isso, nas ruas de uma Nova York desolada, a população aguarda ansiosamente por migalhas de água em meio ao desespero.
A paisagem é dominada por sombras mortais nos telhados, prontas para disparar a qualquer momento, por terroristas dispostos a sacrificar suas próprias vidas e por figuras estranhas e ameaçadoras que vagam pelas ruas. Nesse caos infernal, uma facção rebelde conhecida como Forças Ocidentais, representando o Texas e a Califórnia, emerge como a principal antagonista contra o frágil remanescente do governo federal.
O nítido batuque de um tambor, acompanhado por um ritmo marcial persistente, marca o início de Guerra Civil, filme do britânico Alex Garland que há duas semanas está no topo das bilheterias norte-americanas. O filme evoca lembranças dos grandes filmes de guerra, como o som perturbador da artilharia em O Resgate do Soldado Ryan e a jornada surreal de Apocalypse Now. Há também uma conexão marcante com Extermínio, filme de zumbis de 2002 escrito por Alex Garland, lançado nos cinemas durante os ataques de 11 de setembro de 2001, tornando-se uma produção profundamente atual.
O tema abordado em Guerra Civil será amplamente discutido. O filme retrata uma América intensificada a partir de seu atual estado quase insurrecional, criando uma sensação preocupante de proximidade. Um presidente autocrático, em seu terceiro mandato, ensaia discursos pomposos diante de um teleprompter. As Forças Ocidentais formam uma aliança improvável na tentativa de retomar a capital.
A paisagem suburbana está repleta de shoppings bombardeados, intolerância feroz e, mais inquietante ainda, ocasionalmente há uma cidade onde tudo parece normal, mesmo com os habitantes cientes de que o país está em colapso nos estados vizinhos, erguendo muros pessoais para se proteger. “Apenas tentamos nos manter à parte”, dizem.
Para Garland, a apatia é o verdadeiro adversário. Seus filmes, como Ex-Machina e Aniquilação, são ricos em temas profundos e refletem uma sociedade fragmentada. Guerra Civil retrata melancolicamente essa distopia, evidenciando a perda irreparável de algo maior.
Por isso, Garland escolhe como protagonistas um par de fotojornalistas: uma experiente e a outra aspirante. Interpretada por Kirsten Dunst, Lee é séria e introspectiva, enquanto Jessie, interpretada por Cailee Spaeny, busca apenas aventura, uma iniciação. Elas são acompanhados por Joel, interpretado por Wagner Moura, excelente, e Sammy, vivido por Stephen McKinley Henderson, um veterano jornalista que trabalha para um The New York Times reduzido e possivelmente envolvido em atividades criminosas.
‘Guerra Civil’: road movie
As cenas mais marcantes são aquelas que incitam a reflexão. Garland é mestre em transmitir sensações, como o canto dos pássaros sobre gramados ensanguentados ou o humor lacônico de soldados exaustos.
A jornada de Guerra Civil se transforma em um emocionante road movie, repleto de momentos de tensão explosiva e decisões que podem ser definitivas. Algumas imagens são demasiadamente familiares, como a fila de carros abandonados se estendendo até o horizonte. A sequência mais impactante dessa jornada se dá quando a equipe de jornalistas se depara com um dos defensores racistas e nacionalistas do presidente, vivido por um assustador Jesse Piemons, que veste roupas militares de camuflagem e óculos de armação e lentes vermelhas – uma alusão explícita ao Partido Republicano?
As cenas mais marcantes são aquelas que incitam a reflexão. Garland é mestre em transmitir sensações, como o canto dos pássaros sobre gramados ensanguentados ou o humor lacônico de soldados exaustos. Ele nos convida a observar e refletir sobre a condição política geral, questionando se os Estados Unidos realmente merecem uma democracia se mal conseguem se comunicar.
O filme culmina em um ato final avassalador, no qual a imensidão do aparato militar moderno invade a tela. A visão de tanques rolando pela Avenida Pensilvânia, onde está a Casa Branca, em Washington D.C., é perturbadora, e é esse desconforto que confere valor à obra de Garland.
Apesar das atuações sólidas de Dunst, Moura e Spaeny, Guerra Civil não é um filme repleto de diálogos – é muito visual. Sua principal missão é transformar o espectador em observador. E, independentemente do que o futuro reserva – tanto nos cinemas quanto além -, é um filme urgente e importante, um dos mais impactantes de 2024.
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