Um filme que entretém pelo suspense elevado. Assim é O Homem Invisível (2020), suavemente inspirado no livro homônimo de H. G. Wells que reinaugura os remakes de monstro da Universal, após A Múmia (2017). O diretor Leigh Whannell é hábil em construir atmosferas capazes de prender a respiração do espectador. Suas escolhas de ângulos, suas decisões de posicionamento dos personagens no quadro e seus planejamentos de detalhes que ganham o primeiro plano em várias cenas provocam medo. Mas, além de ser uma produção que investe no entretenimento (e, sim, consegue entreter graças ao suspense já comentado), O Homem Invisível lança para o público um forte alerta sobre relacionamentos que ferem mulheres, física e psicologicamente.
Cecilia (Elisabeth Moss) é casada com Adrian (Oliver Jackson-Cohen), um milionário gênio da óptica. Nos minutos iniciais da história, percebe-se que o que ela mais quer é fugir da mansão na qual vive com o parceiro. Parece uma presidiária querendo sua liberdade. Ela consegue. É acolhida na casa de amigos, com a ajuda da irmã. Só com o tempo é que fica claro o que Adrian fazia com Cecilia.
Ampliando a leitura, O Homem Invisível ‘brinca’ (destaque-se bem as aspas aqui) com aquilo que se vê e o que não se vê em um relacionamento abusivo.
Dias depois da fuga, Cecilia recebe a notícia de que Adrian cometeu suicídio. Alívio, aponta sua irmã. Sufoco, ela constata, com o passar dos dias. O motivo? Cecilia começa a suspeitar de que, na verdade, seu ex-marido não morreu. Uma série de acontecimentos estranhos levam mesmo a crer nisso. O roteiro multiplica as possibilidades do que, afinal, pode estar ocorrendo. Adrian realmente morreu? Se não morreu, é o espírito dele que retornou? Tudo não passa de imaginação da protagonista? Nenhuma dessas alternativas? Enquanto o roteiro tende a multiplicar as interrogações, a mensagem de denúncia do relacionamento abusivo fica cada vez mais clara. A violência choca. É a escolha feita para que a produção atinja seu objetivo de, também, trazer luz ao tema sério do qual se propõe a tratar.
Essa questão da mulher como alvo de abusadores permeia todo o filme. O Homem Invisível aproveita, inclusive, uma entrevista de emprego de Cecilia para mostrar as investidas sutis (ou nem tão sutis assim) do entrevistador sobre a candidata que está à sua frente. No decorrer da produção também é possível identificar o gaslighting, palavra inglesa que passou a ser utilizada para definir o abuso psicológico por meio do qual o agressor usa distorção, omissão ou invenção de informações com o objetivo de fazer a vítima duvidar de suas percepções e até de sua sanidade.
É significativo o fato de a produção ter como protagonista Elisabeth Moss, uma atriz já bastante conhecida por escolher personagens determinadas e fortemente atingidas pela estrutura machista em suas histórias. Que o digam a Peggy Olson, da série Mad Men, e a June Osborne (Offred) de The Handmaids Tale.
Ampliando a leitura, O Homem Invisível “brinca” (destaque-se bem as aspas aqui) com aquilo que se vê e o que não se vê em um relacionamento abusivo. Quais são os limites que ultrapassam os desentendimentos banais entre duas pessoas daqueles que ingressam na necessidade de interferência policial e psicológica? Em que medida as pessoas próximas estão sensíveis para perceber que a vítima precisa de ajuda? Até que ponto a mulher agredida consegue perceber claramente o que está acontecendo com ela? É essa união de denúncia, motivação de reflexões e entretenimento que faz de O Homem Invisível um filme chamativo.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.