A vida humana é transitória. Somos biologicamente condenados à finitude, ao desaparecimento. Ao contrário dos bens materiais, cuja existência pode atravessar séculos. Horas de Verão, de Olivier Assayas (de Depois de Maio), um dos grandes cineastas franceses da atualidade, tem como um dos temas centrais esse paradoxo.
A trama tem início no aniversário da matriarca Hélène (Edith Scob), que recebe os três filhos, Frédéric (Charles Berling), Adrienne (Juliette Binoche, Oscar de melhor atriz coadjuvante por O Paciente Inglês) e Jérémie (Jérémie Renier, recentemente visto em O Amante Duplo), e suas respectivas famílias na casa de campo onde vive com uma empregada. Aos 75 anos, ela pressente a proximidade da morte, o que a leva a ter uma conversa franca com Frédéric sobre o que ele e os irmãos irão fazer com o patrimônio que herdarão.
O diretor discute a perda de referências, a aculturação de uma civilização influenciada pelos EUA e de certa forma ameaçada por uma potência em ascensão como a China.
Além da casa, sua grande preocupação são os móveis, objetos e obras de arte que antes pertenceram ao tio de Hélène, um grande pintor com quem ela manteve uma secreta história de amor por anos depois da morte do marido.
Coproduzido pelo Musée D’Orsay, um dos mais importantes museus de arte de Paris, o filme discute a possibilidade de o patrimônio cultural europeu, representado pelo espólio de Hélène, ser fragmentado e disperso.
Adrienne, designer radicada nos EUA, quer vender as obras do tio-avô em Nova York. Jérémie trabalha para uma multinacional na China, onde pretende se instalar de vez com a mulher e os filhos. Não tem qualquer interesse em preservar os bens herdados.
Se o personagem de Hélène for interpretado como a velha Europa e Jérémie, Adrienne e Frédéric (o mais velho e o único apegado ao legado familar) como a nova faceta do continente, percebe-se aonde Assayas pretende chegar. O diretor discute a perda de referências, a aculturação de uma civilização influenciada pelos EUA e de certa forma ameaçada por uma potência em ascensão como a China.
Horas de Verão é uma pequena obra-prima, premiado em 2010 como melhor filme estrangeiros pela Associação de Críticos de Los Angeles, pelo Círculo de Críticos de Nova York e pelo National Board of Review. É um filme que discute memória e merece ser redescoberto quase dez anos após seu lançamento.
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