Iván Bojko fala animado para as câmeras sobre a construção artesanal de suas Banduras – fabricar o tradicional instrumento ucraniano no Brasil parece ter sido uma das formas do refugiado manter um laço forte com as suas origens. Tirado à força de seu país natal por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial para realizar trabalhos forçados na Alemanha, ele foi um sobrevivente, mas também perdeu muito: um dos dedos das mãos, sua juventude e sua família – conseguiu imigrar para cá em 1948, mas ficou apátrida por muitos anos, além de ser impedido de fazer contato com seus parentes na Ucrânia. Com essa história incrível em mãos, o cineasta paranaense Guto Pasko, que também tem origem ucraniana, não nos conta só essa jornada: permite que o espectador seja testemunha do comovente encontro de Iván com sua terra, 68 anos depois, no documentário Iván.
O documentário, filmado em Curitiba e na Europa, é um filme mundial, pois trata de várias questões que atualmente nos são tão caras: ao assistir o relato na tela, conseguimos entender, pelo menos um pouco, o quão complicado é ser um refugiado. A situação é ambígua: ao mesmo tempo em que Iván ganhou, por ter sobrevivido às atrocidades da guerra, ele também perdeu todo o seu vínculo, tudo o que formava a sua identidade. Fora que, desde que pisou no Brasil, em 1948, foi impedido de retomar o contato com os seus familiares, pelo bloqueio imposto pelo regime político dos russos em seu país. Lhe restaram as tristes canções ucranianas.
São essas músicas que fazem a ponte desse reencontro – Iván é levado junto com toda a equipe do longa-metragem, a filha mais nova e o genro para rever a sua Ucrânia, aos 91 anos, e reencontrar sua única irmã viva e seus parentes. Ele jamais sonhou que poderia voltar ao seu país pela última vez, e fica até um tanto reticente com a proposta de Pasko. Em uma Europa totalmente diferente, ele conversa com dois jovens que se apresentam com a Bandura em uma bela praça de Kiev, e lhes pede: não deixe a nossa cultura e nossas canções morrer.
O documentário, filmado em Curitiba e na Europa, é um filme mundial, pois trata de várias questões que atualmente nos são tão caras.
Iván
Iván parece sempre ter se sentido um ucraniano no Brasil. Mas, ao chegar na sua terra, suas memórias se confundem: ele não conheceu vários de seus parentes apresentados a ele em uma árvore genealógica por um parente. Os vilarejos já não são mais os mesmos. Gosta da nova igreja da cidadezinha, mas quer mesmo é relembrar a antiga, que continua aberta, mas como uma espécie de museu. Também descobre como foi a morte da mãe, e lamenta a sua casa abandonada, em um choro misto, ora ucraniano, ora brasileiro.
Iván nos mostra o valor de pertencermos a um lugar, de retomarmos as nossas origens para nos redescobrirmos. Além disso, o filme é uma verdadeira aula de História: Pasko usou partes do diário escrito pelo personagem ao longo da vida, e que explicam a complexidade do conflito que teve a Ucrânia como alvo central. Também nos diz muito sobre despedidas: é um ritual necessário e, às vezes, apesar de doloroso, é preciso saber que estamos dizendo adeus para sempre.
Em Curitiba, o filme está em cartaz no Espaço Itaú de Cinema , e na Rede Cineplus.
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