Esqueça Cavalo de Guerra, The Post e os dramalhões mais recentes. O Steven Spielberg que encontramos em Jogador Nº 1 é o herói de toda uma… ok, de algumas gerações. Aquele que fez Jurassic Park, E.T., De Volta Para o Futuro (como produtor) e tantas outras aventuras clássicas.
Jogador Nº 1 é uma adaptação do livro homônimo lançado em 2011, de Ernest Cline, onde Spielberg aparece direta e indiretamente, já que grande parte das referências vem de seus clássicos dos anos 80 e 90.
Na história, Wade Watts (Tye Sheridan) vive nos Estados Unidos de 2045, uma sociedade superpopulosa e desigual, em que favelas verticais de trailers são onde a maior parte das pessoas residem. Para fugir dessa realidade, Wade e quase todos os habitantes escapam para o OASIS, ambiente de realidade virtual onde podem ser e fazer o que quiserem.
Isso tudo é posto em jogo (literalmente) quando o criador da tecnologia morre e deixa o seu legado de herança para o jogador que conseguir decifrar suas pistas (easter eggs no código do videogame) e se tornar o milionário responsável pelo funcionamento do OASIS.
É aí que entram Perzival e Arth3mis, os avatares no jogo de Wade e da misteriosa Samantha, concorrentes ao prêmio que acabam no mesmo lado, o oposto ao da organização IOI, que tem interesses escusos para o lugar e um exército de jogadores (bots) ao seu favor.
O filme é ágil, divertido, despretensioso e, sim, por muitas vezes até infantil nos diálogos expositivos, mas não digo isso de nenhuma maneira pejorativa. É o filme perfeito para uma geração extra créditos, que não quer que a experiência se resuma ao que acontece dentro das duas horas de cinema. Não, é preciso que ela continue, que ela possa ser especulada, destrinchada e debatida em fóruns na internet (ou no Twitter, vai).
São o que vou tomar a liberdade de chamar “hiperlinkados”. Precisam que haja uma continuidade na informação, ou ainda, como é o mais comum em Jogador Nº 1, que você tenha um conhecimento prévio dela para aproveitar 100% do que lhe é exposto.
Tanto que corre o boato de que é impossível identificar o total de easter eggs e referências pop no filme, mas sabemos de fato que já são mais de 150 encontradas pelos fãs em sites como o Reddit.
É esse tipo de interação, e aquele sorrisinho de “eu entendi essa referência” (salve Capitão América), que surge em diversos momentos no filme que dá a satisfação primária de assistir a essa história.
É o filme perfeito para uma geração extra créditos, que não quer que a experiência se resuma ao que acontece dentro das duas horas de cinema.
Todas as cenas do longa que se passam no OASIS – aliás, tenho a impressão que correspondem a mais de 50% do filme – são visualmente belíssimas, obra da Industrial Light & Magic (ILM), parceira de longa data de Spielberg e dos filmes de Star Wars. E é impossível não sair com vontade de poder experimentar aquela tecnologia, ainda que ela seja resultado de uma realidade tão terrível que o escapismo virou uma necessidade básica.
Os personagens são, sim, rasos, mas eu diria que têm a profundidade necessária para um filme que visa o entretenimento puro e simples, humanizados o suficiente para não soarem imbecis como acontece em outros blockbusters (cof cof… Transformers 25… cof cof… Velozes e Furiosos 38).
Vale apontar que toda a sequência dentro do filme O Iluminado (e paro por aqui para não dar spoilers) não está no livro, e é uma das melhores no longa. Inclusive, algumas tomadas do original foram utilizadas na montagem.
Resumindo: que experiência nostálgica foi assistir a Jogador Nº 1 no cinema e me sentir como se estivesse vendo um filme da Sessão da Tarde. Peço licença para deixar esse texto bem pessoal ao contar que assisti ao filme com meu sobrinho de 13 anos, que pareceu tão fascinado com as referências constantes quanto eu. Isso é importante, pois mostra como foi eficiente o trabalho de atualizar alguns dos easter eggs da cultura pop para que também atingissem uma audiência mais jovem.
Parece que Spielberg não perdeu seu toque mágico e, ainda que não tenha criado um novo momento icônico original, consegue se manter relevante para mais uma rodada de amantes do cinema. Nem que seja necessário começar a se autorreferenciar para reviver o auge, como uma banda em turnê com apenas seus grandes hits.
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