Ao olhar para A Lei da Noite, longa-metragem dirigido, protagonizado e com roteiro adaptado por Ben Affleck, é preciso enxergá-lo como duas obras distintas. A primeira responde pela metade inicial obra, enquanto a segunda fica com a outra metade, e enquanto na primeira parte Affleck mostra bom domínio da câmera e apresenta uma obra bem resolvida, ainda que mimética, na segunda ele simplesmente desmonta o que havia estabelecido inicialmente, resultando em uma obra estranha, para dizer o mínimo.
A Lei da Noite é uma adaptação do livro Os Filhos da Noite (Companhia das Letras, 480 págs., 2013), de Dennis Lehane (autor de Sobre Meninos e Lobos). O filme inicia ambientado em Boston durante a Lei Seca, época que fez brotar uma vasta rede de destilarias e bares clandestinos e alimentou os cofres das máfias, gângsters e policiais corruptos. Affleck é Joe Coughlin, filho mais novo de um proeminente capitão da polícia de Boston.
Após retornar de uma experiência traumática vivida durante a Primeira Guerra Mundial, Coughlin chega à cidade disposto a agir movido apenas pelos seus interesses. Apesar de desfrutar a vida através de pequenos crimes, ele se vê envolvido com as máfias irlandesa e italiana, das quais pretendia levar uma vida à margem. O problema é que Coughlin possui um ponto fraco: enquanto é duro e firme em suas convicções quando o assunto é o crime, ele tem um histórico de ceder às tentações femininas, o que lhe causará grandes problemas.
O Coughlin construído por ele é pouquíssimo convincente e sua relação problemática com o pai é apresentada sem grandes aprofundamentos, sendo que no livro ela é ponto crucial para entender as múltiplas camadas do personagem.
Ainda que pouco inventiva, esta parte é bem conduzida pelo ator e diretor, que procura reproduzir a estética do gênero construída por gigantes como De Palma, Coppola e Scorsese. Embora sem o mesmo brilho, o resultado chega a ser uma boa reverência a eles. A chave dos problemas, no entanto, é o Affleck ator. O Coughlin construído por ele é pouquíssimo convincente e sua relação problemática com o pai é apresentada sem grandes aprofundamentos, sendo que no livro ela é ponto crucial para entender as múltiplas camadas do personagem.
A partir do segundo terço, A Lei da Noite perde o rumo. Joe parte de Boston para Tampa para assumir parte de alguns negócios da máfia italiana. Contudo, a essência do gênero dá espaço à latinidade e efervescência cubana. De repente, entram na história questões como fanatismo religioso e preconceito racial, porém jogados displicentemente na trama. Graciella Suarez (Zoe Saldana, de Avatar), que no livro de Lehane é uma femme fatale, é transformada em uma mulher objeto, que seduz o “galã” Affleck em uma cena absurdamente constrangedora.
Uma sucessão de estereótipos vai tomando conta da obra, convertendo-a em um pastiche da pior espécie. Affleck, o diretor, ainda desperdiça a presença de atores como Brendan Gleeson (Gangues de Nova York) e Chris Cooper (Beleza Americana), passando longe de entregar a grandiosidade da obra de Lehane, considerado um especialista na literatura de mistério. Uma pena para todos os envolvidos, incluindo o público.
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