Desde que o nome de Peter Jackson foi inserido no grupo seleto de “deuses” do cinema contemporâneo graças ao estrondoso sucesso de sua adaptação da trilogia O Senhor dos Anéis (2001, 2002 e 2003), de J.R.R.Tolkien, a presença de seu nome na ficha técnica de qualquer produção desperta interesse. Máquinas Mortais (2018) beneficia-se disso. No filme baseado na série literária de Philip Reeve, Jackson ajuda no roteiro e na produção. A presença do diretor neozelandês neste trabalho, no entanto, não significa necessariamente a entrega de um produto de alta qualidade. Excetuando a ideia básica da história (que é criativa) e a concepção visual (competente), o restante tende a frustrar o espectador. A duração do filme (pouco mais de duas horas) poderia ser menor, com soluções dos conflitos de forma bem mais precisa e menos lutas, fazendo a trama fluir melhor e cansando menos o espectador.
A direção coube a Christian Rivers, que trabalhou com Jackson em muitas produções, como na própria trilogia O Senhor dos Anéis e O Hobbit (2012, 2013 e 2014). Na trama, o mundo quase acabou após a chamada Guerra dos Sessenta Minutos. Neste futuro pós-apocalíptico, com um cenário desolado e confrontos que lembram a quadrilogia Mad Max (1979, 1981, 1985 e 2015), as cidades movimentam-se sobre rodas em busca de recursos. As mais poderosas dominam as mais fracas. No mundo criado por Philip Reeve e transposto para o cinema, essa espécie de colonização futurista recebe o nome de “darwinismo municipal”, em referência à teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin.
Além da “seleção natural” entre as cidades, conflitos políticos também são visíveis, representados pela oposição entre os “tracionistas” e os “anti-tracionistas”, ou seja, entre os que defendem o modelo de cidades sobre rodas e os que o combatem. Londres, no contexto, pode ser considerada uma personagem. Ela é uma metrópole-tração que “devora” cidades menores, impondo novas regras de organização aos habitantes que insere compulsoriamente em seu meio. Há diversas menções à necessidade de recolher “tecnologia antiga”.
Quem chefia essa Londres móvel é Thaddeus Valentine, vilão interpretado por aquele que é o rosto mais conhecido no elenco: Hugo Weaving, de Matrix (1999). Dentre os principais opositores de Valentine estão Tom (Robert Sheehan) e Hester Shaw (Hera Hilmar), uma garota que busca incansavelmente vingar a morte da mãe. Logo no começo do filme, Tom e Hester são lançados para fora de Londres e lutam para retornar para a cidade-tração.
A compensação está na criação visual deste universo pós-apocalíptico. É um futuro que remete ao passado, um “retrofuturismo”, graças à proposta steampunk, de valorização da tecnologia a vapor (steam, em inglês)
No ambiente terrestre impera o caos, as guerras, o barulho e a agitação. A sensação desse inferno de luta pela sobrevivência é ampliada com o contraste que se vê nas cenas em que aparece a aeronave pilotada por Anna Fang, interpretada por Jihae. Quando a “fora-da-lei” (depende do ponto de vista, por isso as aspas) está longe de conflitos em seu meio de transporte, o que impera é a leveza, o suave e o etéreo, características potencializadas por enquadramentos que privilegiam a beleza celestial de nuvens e iluminação solar.
Como se vê, a premissa é instigante. O aproveitamento que se fez dela, no entanto, é raso e frustra, sobretudo pelo excesso de cenas desnecessárias que alongam o trabalho e tendem a cansar o público. A compensação está na criação visual deste universo pós-apocalíptico. É um futuro que remete ao passado, um “retrofuturismo”, graças à proposta steampunk, de valorização da tecnologia a vapor (steam, em inglês). No geral, contudo, ‘Máquinas Mortais’ é um filme que se apresenta como entretenimento puro e simples, com tendência de não perdurar na memória por muito tempo.
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