Uma animação que circula nas redes sociais é bastante sucinta, objetiva e criativa em mostrar como tende a ser a vida de milhões de pessoas. Seres humanos com espaço muito bem delimitado em uma esteira rolante, passam por três portais com os seguintes letreiros: escola, trabalho, família. Na verdade, os seres humanos são bonecos, esboços do que seriam pessoas. Depois de passar pelos três portais, os bonecos são inevitavelmente lançados em um buraco que, pela cruz que fica acima dele, deixa claro tratar-se de uma sepultura. Se algum desses bonecos, por acaso, sai da esteira, uma câmera realiza imediatamente o flagra e lança um raio que desintegra o fugitivo, enquanto um painel gigante lança a seguinte mensagem de alerta: “unexpected system error”, ou seja: “erro inesperado do sistema”.
Há quem questione, com palavras e ações, em maior ou menor grau, esse ciclo da vida aparentemente inevitável, onde só existe nascimento, trabalho, reprodução e morte. O israelense Yossi Ghinsberg é uma dessas pessoas. Em 1980, ele decidiu interromper seu aparentemente inevitável caminho de ida para a universidade logo após concluir os estudos básicos e passar pelo exército. O motivo da interrupção? Aventurar-se em algumas viagens fora de seu país. “Eu queria fugir da vida comum. Escola, faculdade, trabalho, casamento, filhos… Aquilo não era para mim. Eu queria ser diferente, experimentar o extraordinário”, contextualiza o protagonista, interpretado por Daniel Radcliffe, narrando sua história real nos segundos iniciais de Na Selva (2017).
Filmes baseados em fatos costumam ser bastante instigantes por lançarem sob os holofotes, para as multidões, lições de esperança, superação, luta e força de vontade, além de questionamentos de padrões e escolhas, sejam elas moralmente duvidosas ou não.
Foi assim que ele desagradou o pai, contou com a compreensão discreta da mãe e partiu mundo afora, indo parar na Amazônia boliviana. Pouco antes disso, conheceu Marcus (Joel Jackson), professor suíço em período sabático que teria, segundo o protagonista, “coração de poeta e alma de santo”. Além de Marcus, Yossi conheceu outros dois companheiros de viagem. É esse grupo composto por quatro integrantes que parte para a aventura na Floresta Amazônica.
Com direção do australiano Greg McLean (A Experiência Belko, de 2016), o filme é baseado no livro Jungle, do próprio Yossi Ghinsberg. McLean apresenta competência tanto na arquitetura do suspense que se propõe a construir, quanto no uso de efeitos sonoros para ambientar a selva. Como bem entrega o título, é esse o cenário que ocupa a tela quase que cem por cento do tempo, desembocando na inevitável fotografia de belas paisagens.
O roteiro, bastante baseado na típica “jornada do herói”, é promissor ao aumentar gradualmente as muitas dificuldades que o grupo enfrenta. Há uma espécie de homenagem ao povo boliviano, mesmo que sutil, graças à solidariedade e acolhida que os personagens nativos demonstram no decorrer da narrativa.
Filmes baseados em fatos costumam ser bastante instigantes por lançarem sob os holofotes, para as multidões, lições de esperança, superação, luta e força de vontade, além de questionamentos de padrões e escolhas, sejam elas moralmente duvidosas ou não. Yossi, por exemplo, exagerou em seu desejo de aventura, colocando em risco a própria vida.
Não raras vezes, os filmes baseados em fatos mostram anti-heróis, ou, no mínimo, protagonistas que podem ter algumas de suas decisões questionadas. Na Selva é mais um desses trabalhos que, especificamente, vem somar-se à lista de produções como Na Natureza Selvagem (2007) e Sem Rastros (2018). São filmes que usam a relação do ser humano com a natureza para questionar, cada um a seu modo, a obediência extrema àquele que seria o ciclo natural da vida, comentado no início deste texto.
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