Oitavo longa-metragem do cineasta paulista Beto Brant (de O Invasor e Crime Delicado), Pitanga, documentário sobre o ator baiano Antônio Pitanga, é uma viagem ao mesmo tempo emocionante e instigante pela história cultural brasileira dos últimos 50 anos. E um poema visual sobre um herói improvável de nossas artes.
Não se trata de uma abordagem convencional, expositiva, que narra de forma linear a carreira do veterano artista, descoberto nas ladeiras de Salvador, um dos primeiros negros a alcançar protagonismo diante das câmeras no cinema brasileiro.
Codirigido pela atriz Camila Pitanga, filha do homenageado, Pitanga é uma obra polifônica e potente, construída em torno de conversas do ator com amigos pessoais, colegas de elenco, cineastas, diretores teatrais e namoradas, por meio das quais sua jornada é reconstituída da maneira não histórica, emotiva, engraçada. Esses diálogos são intercalados a cenas de obras cinematográficas em que atuou, como os clássicos Bahia de Todos os Santos (1960), de Nelson Pereira dos Santos; O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte; Barravento (1962), de Glauber Rocha; Ganga Zumba (1963), de Cacá Diegues; e Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra, entre muitos.
Os trechos de filmes nunca são, entretanto, mera ilustração. De alguma forma, representam peças de um quebra-cabeças que aos poucos vão nos permitindo enxergar, em toda sua complexidade, o artista, mas, sobretudo, o homem Antônio Pitanga.
É interessante observar que, a despeito de ser, sobretudo, um tributo, Pitanga explora de maneira evidente aspectos muito pessoais da vida do protagonista. Há o Pitanga político, que se autodescreve com “um negro liberto”, que jamais carregou dentro de si o opressor, em uma afirmação que atesta sua resistência à condição de marginalidade – vale lembrar que, já no início de sua carreira, nos anos 60, ele desempenhou papéis principais em longas-metragens clássicos como Barravento (1962) e Ganga Zumba (1963). Ao lado do comediante Grande Otelo e do norte-americano (criado nas Bahamas) Sidney Poitier, Pitanga é um dos primeiros atores negros a alcançar destaque do cinema mundial e mantém, até hoje, intensa militância em favor dos direitos dos afrodescendentes no Brasil.
É interessante observar que, a despeito de ser, sobretudo, uma homenagem, Pitanga explora de maneira evidente aspectos muito pessoais da vida do protagonista.
Também fundamental ao filme é a forma como o documentário reforça, por meio de vários dos depoimentos, a faceta de “amante sedutor”, “Don Juan”, de Pitanga, sempre descrito como um “homem lindo”, “forte”. Mesmo aos 78 anos, esse aspecto parece indissociável de sua persona pública. Em diferentes momentos, o ator arranca suspiros de ex-namoradas como a cantora Maria Bethânia e as atrizes, Itala Nandi, Zezé Motta e Tamara Taxman. “Sempre cheiroso, infernal, lindo” e “Nunca vi tão namorador como este rapaz” são frases ditas por Bethânia no documentário. “Eu era uma normalista”, graceja.
Falta ao filme, justamente, a voz da ex-atriz e modelo Vera Manhães, mãe de Camila e de seu irmão, o também ator Rocco Pitanga. Essa ausência é uma lacuna, que se não chega a representar um defeito, deixa no ar uma espécie de enigma a ser desvendado. Ouvem-se os filhos, os netos, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), esposa atual de Pitanga, mas a história do amor com Vera vem de forma indireta, por relatos dos interlocutores. Melhor assim. Nem tudo precisa ser dito.
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