Do que falamos quando falamos que gostamos de um filme? Um bom roteiro? Atores que gostamos? Algo surpreendente? A enorme coletividade do cinema nos oferece muitas respostas. Entretanto, quando falamos de produções que reforçam a paixão pela sétima arte, com certeza falamos de Scott Pilgrim contra o Mundo.
Adaptado dos quadrinhos de Bryan Lee O’Malley, o longa conta a história de Scott (Michael Cera), rapaz de 22 anos e baixista da banda Sex Bob-Ombs. Em um processo de superação de um traumático término de namoro, Scott se apaixona por Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead) após a menina aparecer em um sonho. Entretanto, para namorá-la, Scott precisa lutar e derrotar os sete ex-namorados de Ramona. Tudo isso enquanto tenta (e falha) terminar seu relacionamento com Knives Chau (Ellen Wong), de apenas 17 anos.
Logo de cara, já somos conquistados. É impossível não se identificar com o desajeitado traquejo social de Scott e sua teimosia em reconhecer isso. Além disso, as histórias contadas são situações pelas quais todas as pessoas normalmente passam: términos difíceis, uma banda que não decola, decisões desesperadas em relacionamentos e dificuldade de lidar com o passado. Tudo isso protagonizado por personagens que, nas suas próprias simplicidades, permitem que o espectador identifique ou não o quão complexos eles são, a partir de sua experiência de vida. É, paradoxalmente, genial.
O filme poderia, nas mãos de alguém sem muita personalidade, se tornar uma obra esquecível, mas Edgar Wright impede, brilhantemente, que isso aconteça. A originalidade do britânico faz com que seja extremamente simplista dizer que se trata de apenas uma adaptação.
A capacidade de Edgar Wright de dialogar com quem cresceu em frente ao videogame e ouvindo Blink 182 é algo fascinante.
O que o diretor faz, é, basicamente, criar um gibi em movimento. A justaposição de planos médios e próximos, os zooms abruptos e o descarado uso de onomatopeias mostram, de maneira primorosa, o processo de dar vida a um storyboard.
Não satisfeito, Wright aproveita a peculiaridade de seu roteiro para, também, criar a atmosfera de jogo de videogame. Os duelos travados por Scott contra os ex-namorados de Ramona permitem ao diretor utilizar planos abertos, câmera lenta, e cortes rápidos, recriando a lógica visual de jogos como Tekken e Street Fighter. Elementos visuais como barras de vida e moedas fazem referência a jogos clássicos de plataforma. Em complemento, fotografia de Bill Pope também traz um aspecto de arena, de espetáculos de luta livre com uma iluminação centralizada, praticamente estourada.
Não é à toa que Wright ganhou o status de cineasta cool. Ao mesmo tempo que faz inúmeras homenagens à arte de fazer cinema, dando ao filme uma tônica extremamente surrealista. Partindo de uma lógica da estética do sonho, o diretor impõe ao filme um humor irônico e também referencia a cultura pop a todo momento, inclusive criando cenas com dinâmica de sitcoms, com risada de plateia e tudo. Suas transições e raccords a partir de movimento de câmera dão aos seus filmes um ritmo característico, de muita agilidade. É muito difícil não reconhecer um filme de Edgar Wright.
Scott Pilgrim contra o Mundo aposta em leveza na narrativa e permite que cada um atribua o peso que desejar. A capacidade de Edgar Wright de dialogar com quem cresceu em frente ao videogame e ouvindo Blink 182 é algo fascinante. Trazendo elementos de linguagem que atribuem muita elegância e peculiaridade ao filme, e unindo-os com uma imediata empatia, o longa serve como um grito de uma geração que por mais desajeitada que seja, triunfa em meio às suas próprias estranhezas, até quando se sente contra o mundo.
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