Há quem diga, não sem certa má vontade ou ironia, que O Segredo dos Seus Olhos (2009), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, seria “cinemão”. Não é mentira. Está longe de ser uma obra de invenção narrativa, de ruptura estética. No entanto, o misto de thriller noir e drama romântico do argentino Juan José Campanella tem a oferecer ao espectador bem mais do que mera ousadia formal, exercício muitas vezes inócuo. O diretor de O Filho da Noiva, um bom melodrama familiar, alcançou o grande feito de contar com extrema competência uma história muito intrigante.
O enredo se desenrola em dois tempos narrativos. No “atual”, possivelmente no início dos anos 2000, o ex-policial Benjamin Esposito (Ricardo Darín, de Relatos Selvagens) retorna a Buenos Aires depois de um afastamento de 25 anos, disposto a passar a limpo seu passado. Escreve um livro em que conta seu envolvimento com o assassinato de uma jovem em 1974, às vésperas do golpe que instituiu a ditadura militar na Argentina. Esse é o segundo tempo da narrativa do longa de Campanella.
Como detalhar a trama policial seria revelar informações que fazem toda a diferença para a experiência de fruição do espectador que ainda não viu o longa, resta a esta resenha dar apenas algumas pistas essenciais.
Trata-se de um crime sexual com desdobramentos políticos. Chega, e já é muito! À medida em que Espósito investiga o caso, ele também se descobre envolvido romanticamente com Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil), jovem advogada que acaba de retornar de estudos nos Estados Unidos para se tornar sua chefe.
O Segredo dos Seus Olhos consegue humanizar os personagens centrais, dando-lhes complexidade psicológica e emocional.
Muito bem construído, sem abrir mão de elementos melodramáticos, que dialogam com os clichês do gênero (por vezes ironizados pelo próprio filme), o roteiro de O Segredo dos Seus Olhos, como manda as regras do bom thriller, tem reviravoltas surpreendentes e prende o espectador do início ao fim. Mas vai além disso.
O Segredo dos Seus Olhos consegue humanizar os personagens centrais, dando-lhes complexidade psicológica e emocional. Ponto para Campanella, que soube transpor com inteligência o romance de Eduardo Sacher para a tela.
É a direção do argentino, precisamente, que faz toda a diferença. Embora seja um praticante de um cinema mais convencional na forma, ainda que muito competente, o cineasta, que já trabalhou na tevê norte-americana em seriados como House e Law and Order, cria algumas sequências memoráveis. Sobretudo o plano único (supostamente) que se inicia em uma tomada área e termina em um mergulho vertiginoso nas arquibancadas do estádio de Tomás Adolfo Ducó, do Club Atlético Huracán, numa partida contra a equipe do Racing, de Avellaneda (região metropolitana de Buenos Aires), de onde inicia-se uma eletrizante cena de perseguição. Vale o ingresso. E o Oscar.
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