Dramas biográficos costumam ser tema recorrente na filmografia de Clint Eastwood como diretor – seus quatro longa-metragens anteriores foram todos dramas biográficos: Invictus (2009), J. Edgar (2011), Jersey Boys (2014) e Sniper Americano (2015). Seu mais recente trabalho, Sully – O Herói do Rio Hudson, que estreou ontem nos cinemas brasileiros – depois de ser adiado em virtude da tragédia com a equipe da Chapecoense – vai justamente neste rumo.
Na primeira metade de janeiro de 2009, o Airbus A320 da US Airways fez um pouso forçado no rio Hudson, em Nova York, após aves destruírem as duas turbinas do avião. A bordo estavam 155 pessoas, que tiveram suas vidas salvas pelas decisões tomadas pelo capitão Chesley “Sully” Sullenberger. Ao evitar uma catástofre aérea em uma cidade que vive com a eterna ferida aberta do 11 de setembro, Sully é declarado um herói nacional.
O incidente, que recebeu o apelido de “O milagre do rio Hudson”, rendeu um livro de mesmo nome (lançado no Brasil pela editora Intrínseca), e foi base para a adaptação cinematográfica comandada por Eastwood e estrelada por Tom Hanks.
E aí Sully desanda, funcionando mal como registro cinematográfico de uma história real e muito água com açúcar para um projeto liderado por Eastwood.
Diferente de seus últimos dramas biográficos, em Sully, Eastwood não trabalha com um personagem histórico (como os filmes de 2009, 2011 e 2014) e tampouco com um personagem controverso (como o de Sniper Americano). O comandante Sully, apesar de seu heroísmo, é um homem comum, um de nós, alçado ao status de herói em virtude de um acidente, mas em suma um herói pontual. E talvez seja isso que tire um pouco do brilho do longa – ainda que a caracterização de Tom Hanks e Aaron Eckhart (como o Primeiro Oficial Jeff Skiles) esteja incrível.
Sully acompanha o desenrolar do incidente, quando Sullenberger acaba sendo obrigado a passar por um rigoroso e exaustivo julgamento da agência de aviação civil dos Estados Unidos, que questiona o pouso no rio, baseado em testes realizados, apontando que haveria possibilidade de que o experiente piloto tivesse guiado o avião em segurança de volta ao aeroporto de onde havia partido.
Como também acontece com frequência na obra de Clint Eastwood, Sully é retratado como um grande homem em conflito, que sofre com questionamentos internos a respeito das decisões tomadas. Pesadelos e crises de consciência fazem com que ele afaste-se de sua esposa, Lorraine Sullenberger, interpretada de forma protocolar por Laura Linney (O Show de Truman).
O bom-mocismo de Sullenberger joga contra a trama, evidentemente querendo gerar comoção pelo grande feito realizado pelas únicas pessoas possíveis do mundo: os norte-americanos. E aí Sully desanda, funcionando mal como registro cinematográfico de uma história real e muito água com açúcar para um projeto liderado por Eastwood. Não suficiente, subaproveita bons atores como Mike O’Malley (Yes, Dear) e Anna Gunn (Breaking Bad) em personagens rasos, ainda que com importância no contexto da trama.
Fica a sugestão ao leitor o documentário Miracle of the Hudson Plane Crash, que se não deixa de louvar o feito de Sullenberger, ao menos o faz através de um relato mais fidedigno.
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