Há um grande paradoxo no cinema-catástrofe. Embora a ação dos filmes seja, quase sempre, colocada em movimento pela iminência de desastres – naturais ou não –, as histórias costumam ter arcos narrativos que se repetem. Erupções vulcânicas, terremotos seguidos de tsunamis, naufrágios ou incêndios de grandes proporções servem, na verdade, como pretexto para que os personagens recoloquem suas vidas nos trilhos.
Com o passar dos anos, no entanto, essa fórmula, que já atingiu, no passado, alguma sofisticação narrativa e eficiência dramática, em clássicos do gênero, como O Destino de Poseidon (1972) e Inferno na Torre (1974), ambos assinados pelo craque Irwin Allen, tem sido repetida, e de tal forma diluída, que as produções hoje se assemelham a paródias, devido ao uso abusivo de clichês. E Terremoto – A Falha de San Andreas, em cartaz nos cinemas, é o fundo do poço nesse processo.
A trama, cujo menor pecado é ser inverossímil do primeiro ao último fotograma, conta como Ray, um oficial de resgate, vivido pelo empático mas pouco expressivo Dwayne Johnson (da franquia Velozes e Furiosos), move céu e terra, literalmente, para salvar sua família, que se esfacelou depois que sua filha mais nova morreu afogada em um acidente pelo qual o personagem se culpa mortalmente.
O problema é que, da forma como o enredo é construído, o terremoto pode ser interpretado como uma espécie de “mal necessário” para que o protagonista prove para si mesmo, e consequentemente para o mundo, que é um grande herói. Milhares precisam morrer, cidades serem reduzidas a pó, no intuito de reconstituir sua unidade familiar. Essa premissa é muito reacionária, para dizer o mínimo.
Se no passado, os flimes-catástrofes reuniam elencos multiestelares em papéis mais ou menos bem delineados, com alguma tridimensionalidade, permitindo a todos os atores bons momentos de atuação, por mais coadjuvantes que fossem seus personagens, em Terremoto – A Falha de San Andreas tudo e todos têm a superficialidade de um pires.
O problema é que, da forma como o enredo é construído, o terremoto pode ser interpretado como uma espécie de “mal necessário” para que o protagonista prove para si mesmo, e consequentemente para o mundo, que é um grande herói.
É inacreditável que o diretor Brad Peyton tenha desperdiçado um ator do calibre de Paul Giamatti (de Sideways – Entre Umas e Outras), no papel de um cientista sem complexidade alguma que tenta, aos trancos e barrancos, explicar o sismo que arrisca devastar a Califórnia.
Suas cenas, sem exceção, são risíveis, por conta do pseudocientificismo que o roteiro tenta dar a suas falas e decisões. E, como o personagem não é nada além do que um nome e uma ocupação, sem presente, passado ou uma vida para chamar de sua, ele acaba não fazendo a menor diferença na jornada de Ray. É mero apêndice.
O Terremoto original, lançado no mesmo ano que Inferno na Torre, 1974, não era lá grande coisa, mas trazia efeitos visuais e sonoros (o então inédito som surround), que causaram frisson quando de seu lançamento: a ideia era fazer com que o público se sentisse em meio a um abalo sísmico, e ao lado de ícones do cinema, como Charlton Heston e Ava Gardner.
A nova versão é até bem realizada tecnicamente, mas tão mal escrita que, em comparação, os filmes do cineasta alemão Roland Emmerich e sua obsessão por destruições — reiterada em Independence Day (1996), O Dia Depois de Amanhã (2004) e 2012 (2009) — até melhoram. Isso, sim, é catastrófico.
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