Um dos cinco indicados ao Oscar 2021 na categoria de melhor documentário em longa-metragem, Time causa enorme impacto tanto pelo conteúdo quanto pela forma. O filme, em sintonia com o movimento Black Lives Matter, acompanha a vida de uma mulher, Fox Rich, que, por 20 anos, cuida sozinha dos seis filhos, mantendo a família unida durante o tempo de encarceramento do marido, Rob, preso e condenado por assalto a um banco, quando o casal era muito jovem. Para além do impacto dramático da jornada de luta solitária da protagonista, e de sua relação com o tempo, a produção lança um olhar bastante crítico sobre o sistema penitenciário norte-americano, no qual negros, como Rob, recebem penas desproporcionais e, muitas vezes, são negligenciados, senão esquecidos pelo sistema.
Como já foi dito aqui, Time, em cartaz no canal de streaming Amazon Prime, impressiona o espectador também pela maneira como sua narrativa é construída. A direção sensível e inventiva de Garrett Bradley, que venceu o prêmio da categoria no Festival de Sundance de 2020, nos coloca no interior da casa de Fox Rich e nos convida para olhar para dentro da vida dela e de seus filhos de forma muito intimista – muitas das imagens foram captadas pela personagem com suas próprias câmeras, inclusive de celulares. Esse olhar íntimo e pessoal não é condescendente, ainda que seja visível o orgulho que ela tem de sua luta.
Fox e Rob namoraram desde a adolescência e constituíram uma família. Por serem muito jovens, acabam enfrentando problemas financeiros que, somados à imaturidade, os conduzem a decisões equivocadas e medidas extremas. Rob e seu primo planejam o assalto que os leva à prisão e Fox participa do plano como motorista de fuga. Todos acabam presos: ela cumpre três anos e meio, enquanto ele recebe pena de 60 anos sem direito a fiança fiança ou liberdade condicional.
Do ponto de vista formal de Time, seu grande achado é a montagem, que não obedece a ordem cronológico, intercalando diferentes momentos da vida da família ao longo dos anos
O filme defende a tese que a punição é excessiva justamente porque Rob é negro, pobre e não tem acesso a advogados de defesa que o representem. O filme trata de luta de Fox para tentar reduzir a pena do marido, mas também da busca por dignidade para ela e sua família. Ela reconhece seus erros, e tenta apontar caminhos mais virtuosos para os filhos, para que eles não caiam nas mesmas armadilhas sociais. Fox teme pelo momento em que seus meninos se tornarem homens com o pai ainda encarcerado, e escancara os sacrifícios que fez para manter a família intacta e unida.
Do ponto de vista formal de Time, seu grande achado é a montagem, que não obedece à ordem cronológica, intercalando diferentes momentos da vida da família ao longo dos anos, em que sempre há um horizonte comum: a expectativa de que o marido e pai possa um dia deixar o cárcere. Essa opção narrativa é também estética: vemos a transformação do rosto, do corpo, da voz de Fox, sem perder a jovem que ela foi de vista. Ao mesmo tempo, acompanhamos o crescimento dos meninos, as dificuldades que enfrentam e suas vitórias. Rob é, nessa trama de tempos embaralhados, o ausente onipresente em um filme muito tocante e profundamente político.
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