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Crítica: O gesto contido de ‘Torniquete’ são sussurros que cortam – Olhar de Cinema

Longa-metragem de estreia da curitibana Ana Catarina Lugarini, 'Torniquete' se destaca na mostra competitiva brasileira do 14º Olhar de Cinema ao abordar o trauma e a violência com uma precisão formal rara e uma poética do silêncio.

porPaulo Camargo
16 de junho de 2025
em Cinema
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Marieta Severo é uma das protagonistas de 'Torniquete', exibido no Olhar de Cinema. Imagem: Divulgação.

Marieta Severo é uma das protagonistas de 'Torniquete', exibido no Olhar de Cinema. Imagem: Divulgação.

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Em meio ao ecossistema pulsante do Olhar de Cinema, onde a ousadia formal e a reinvenção do olhar são quase um imperativo, Torniquete, longa de estreia da cineasta curitibana Ana Catarina Lugarini, emerge como uma obra de outra ordem: sutil, interna, minuciosamente calibrada. Na sessão de domingo à tarde, na intimidade da sala Ritz do Cine Passeio, a segunda exibição pública do filme apenas confirmou a impressão inicial: trata-se de um dos trabalhos mais densos e rigorosos da mostra competitiva brasileira desta 14ª edição.

A narrativa de Torniquete se instala num cotidiano aparentemente modesto: três mulheres — avó, filha e neta — compartilham uma casa modesta na periferia urbana, de onde operam uma pequena distribuidora de gás. Mas esse espaço doméstico, em vez de representar aconchego, é atravessado por uma atmosfera de ameaça e clausura. A cada plano, o filme constrói, com precisão desconcertante, um campo de forças tensas, feitas de silêncios, olhares evitados e dores que circulam sem ser nomeadas.

Há, desde os primeiros minutos, uma economia de gestos e palavras que surpreende. Nada se impõe com estardalhaço; tudo se infiltra. Lugarini, ao lado da roteirista Alice Name-Bomtempo, estrutura sua dramaturgia em torno do não-dito, do gesto suspenso, da ambiguidade que corrói as aparências. O que se vê na tela é menos um enredo no sentido convencional e mais uma escavação: camadas de silêncio, camadas de ressentimento, camadas de memória.

O trio de protagonistas sustenta essa operação com rara coesão. Marieta Severo, no papel da avó, ancora o filme com sua habitual precisão gestual, mas aqui revelando uma dureza áspera, quase pétrea, que reverbera no espaço ao redor. Renata Grazzini interpreta a filha, figura consumida pela exaustão e pelo medo, como se seu corpo carregasse o peso de anos de tensão acumulada. Já a jovem Sali Cimi, revelação da obra, dá vida à neta marcada por uma cicatriz vertical no rosto — lembrança concreta de um assalto violento, mas também signo simbólico de um trauma mais profundo, mais estrutural, mais invisível.

Essa cicatriz, linha que divide o rosto da personagem como um corte no tecido da imagem, torna-se o núcleo metafórico do filme. É a partir dela que Torniquete constrói sua reflexão sobre feridas que não se fecham, sobre violências que não cessam, sobre o que se faz — ou se escolhe não fazer — com a dor. Esconder, exibir, absorver, rejeitar? O filme não oferece respostas, apenas planos que se detêm na pele, na respiração, na hesitação dos gestos. A ferida, aqui, é linguagem.

A estética do filme acompanha esse mergulho contido. A fotografia de Hellen Braga prefere os planos fechados e os enquadramentos que comprimem os corpos no espaço. A paleta cromática é seca, feita de beges, cinzas e marrons opressivos. Os interiores da casa — vazios, funcionais, inóspitos — evocam um cotidiano sem ornamento, uma existência reduzida ao essencial. A direção de arte colabora nesse regime de subtração: tudo serve à construção de um mundo onde o tempo não passa, apenas pesa.

O som, quase ausente de música ou ruído ambiente, acentua a sensação de reclusão. Cada palavra dita soa como um deslocamento sísmico. O silêncio, aqui, não é vazio: é matéria. É nele que o filme escreve sua narrativa.

O silêncio, aqui, não é vazio: é matéria. É nele que o filme escreve sua narrativa.

Mas essa mesma escolha estética — de apagar, de elidir, de sugerir — cobra seu preço. Em alguns momentos, a contenção extrema flerta com a rigidez, e a narrativa parece por instantes estagnar, girar sobre si. O risco de que o espectador se afaste ou se perca nesse jogo de lacunas é real. Falta, talvez, um momento de respiro ou ruptura que rompa com o controle quase absoluto da mise-en-scène. E, no entanto, esse risco faz parte do gesto criativo da obra.

Porque Torniquete é, antes de tudo, um filme sobre escuta. Escuta do corpo que sangra calado, das relações atravessadas por violência estrutural, das heranças afetivas que se transmitem mais por gestos do que por palavras. É um filme que exige sensibilidade por parte do público, e que devolve, em troca, uma experiência estética rara: a de ser afetado por aquilo que não se vê claramente, mas que vibra sob a superfície.

Ao final da sessão, sem aplausos, resta no espectador um eco — um mal-estar delicado, uma impressão persistente de que algo essencial foi dito, ainda que em sussurros. E isso é muito. Em um festival que celebra o cinema como arte de olhar e escutar, a estreia de Ana Catarina Lugarini se impõe com o rigor e a beleza das obras que sabem que menos pode ser muito.

Torniquete não grita. Mas cala com força.

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Tags: Ana Catarina LugariniCinemaMarieta SeveroOlhar de CinemaTorniquete

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