Há tanta ousadia na aparente placidez do belo Um Outro Ano, documentário da diretora Shengze Zhu que estreia hoje na mostra competitiva do festival Olhar de Cinema. Ela, que também é fotógrafa, registra, ao longo de 14 meses, um total de 13 jantares na família de um trabalhador migrante na China contemporânea, traçando um fascinante painel do gigantesco país asiático, revelando muito sobre uma sociedade da qual se fala tanto, mas se conhece tão pouco.
O filme é ao mesmo tempo lento e intenso em decorrência de sua opção de registrar tudo que ocorre nesses encontros familiares por meio de longos planos estáticos. A cineasta prefere não interferir, mantendo sua câmera imóvel, e o que se move é a realidade. Toda sorte de emoções entra em cena: frustrações, esperanças, alegrias, desânimo.
À medida em que o tempo transcorre, cada jantar constrói seu próprio arco dramático, dependendo de quem participa: são três gerações interagindo, e lavando à mesa temas que vão de questões familiares de caráter mais íntimo e pessoal até questões relativas às condições de trabalho do país, a política de um filho só, a condição feminina.
O filme é ao mesmo tempo lento e intenso em decorrência de sua opção de registrar tudo que ocorre nesses encontros familiares por meio de longos planos estáticos.
Embora o plano seja sempre o mesmo, a realidade que dele toma conta está em constante, ainda que sutil mudança, e o que, na sinopse, pode soar como um espetáculo entediante, aos poucos se revela surpreendente como talvez apenas a vida real possa ser.
Talvez por conta disso, temos a sensação, ao final das três horas de projeção, que vimos muito de perto, e em detalhes, um microcosmos que muito tem a dizer sobre a sociedade da China no século 21, um país de cultura milenar que vivencia um desenvolvimento econômico sem precedentes, mas também uma urbanização assustadora. E uma inevitável perda de referências diante do processo de globalização.
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