O filme Zona de Interesse, sob a direção talentosa do cineasta britânico Jonathan Glazer (de Sob a Pele), é uma obra cinematográfica profundamente perturbadora que nos mergulha nos sombrios limites do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Com maestria, este filme de terror oculta seus horrores enquanto nos envolve em uma narrativa complexa e sombria. Ambientado entre os anos de 1943 e 1944, o longa-metragem adentra a vida cotidiana da família de Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz vivido por Christian Friedel.
A essência do medo que permeia os 106 minutos de projeção surge da assustadora normalidade retratada. A casa dos Höss, meticulosamente mantida, parece ignorar completamente a atividade de massacre em massa que ocorre a poucos passos de distância, do outro lado dos muros, como se tivesse sido banalizada. Uma cena sombria e sinistra retrata Rudolf cavalgando do quintal até os portões de Auschwitz, completando um deslocamento breve, porém aterrorizante. Mesmo quando ele apaga as velas em seu bolo de aniversário, cercado pela esposa, Hedwig (a extraordinária Sandra Hüller, de Anatomia de uma Queda), e seus filhos, a presença da torre de vigia do campo passa quase despercebida pela janela.
‘Zona de Interesse’: banalidade do mal
O extraordinário design de som, indicado ao Oscar, que nos permite ouvir o que não vemos, é fundamental na construção narrativa.
As referências à “banalidade do mal”, popularizada pela filósofa alemã Hannah Arendt, ressoam ao longo do filme, desafiando-nos a refletir sobre a natureza do mal e da indiferença. Glazer, inspirado livremente em um romance do britânico Martin Amis, mantém a tensão constante ao revelar os segredos do campo de concentração de Auschwitz de forma surpreendentemente rápida, sem perder a ambiguidade que caracteriza a vida sob o regime nazista.
O meticuloso design de produção, aliado à habilidosa cinematografia de Łukasz Żal (de Ida), cria uma atmosfera de vigilância inquietante, onde cada movimento dos personagens é capturado por múltiplas câmeras escondidas. A edição precisa de Paul Watts intensifica essa sensação de voyeurismo, eliminando qualquer traço de subjetividade do quadro e submetendo os personagens a um olhar tão desumano quanto o deles.
Glazer transforma cada cena em uma acusação, revelando a crueldade e a indiferença dos personagens de forma sutil, mas poderosa. O filme mergulha fundo na psicologia dos Höss, confrontando-nos com a ambivalência de suas emoções e a banalidade de seus atos. O jardim da família, embora belo à primeira vista, se torna uma metáfora perturbadora do Éden corrompido, contaminado pelas cinzas e pela morte que o cercam.
Por meio de uma trilha sonora intensa e imersiva, composta por Mica Levi, somos transportados para dentro da mente dos personagens, confrontados com os horrores que eles testemunham diariamente. O espantoso design de som, indicado ao Oscar, que nos permite ouvir o que não vemos, é fundamental na construção narrativa. Sabemos o que está ocorrendo.
O filme desafia nossa própria complacência diante do mal, nos questionando sobre nosso papel na perpetuação da crueldade e da indiferença.
Quando Rudolf Höss foi executado por seus crimes em abril de 1947, o cadafalso foi construído a apenas 100 metros desta casa uma vez amada, um paraíso doméstico que operava nas sombras de um inferno. Ele podia ver sua casa de onde estava no cadafalso.
Zona de Interesse, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2023, não é apenas um filme; é uma experiência cinematográfica que nos força a confrontar o terrível vazio deixado pela banalidade do mal. Glazer nos leva a refletir sobre o alcance das atrocidades cometidas durante o Holocausto e as consequências devastadoras que elas deixaram para trás. Mais do que um simples filme, a obra de Glazer é um lembrete sombrio da fragilidade da humanidade e da necessidade urgente de aprender com os erros do passado.
Zona de Interesse está indicado ao Oscar em cinco categorias: melhor filme, filme internacional, direção, roteiro adaptado e som.
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