O cineasta Roger Corman vivia de filmes que realizava com baixo orçamento durante as décadas de 1960 e 1970. Para atrair o público para esses títulos independentes, ele adotava temáticas de exploração, usava violência gráfica e criaturas feitas de efeitos visuais baratos. Muitos se tornaram clássicos referenciados do horror. A estreia de Tubarão (1975), porém, mudou tudo. Além de inaugurar o conceito de blockbuster no cinema norte-americano, a obra de Steven Spielberg também tirou os monstros das produções marginais e os levou para os holofotes.
Observar os grandes filmes que estrearam ou estão para estrear este ano é comprovar como nossa cultura cinematográfica está repleta por monstruosidades. Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017), A Bela e a Fera (2017) e Kong: A Ilha da Caveira (2017) são apenas alguns exemplos dessa massiva presença de seres fantásticos, deformações e bizarrices que povoam as telonas.
A geração de Spielberg e George Lucas conseguiu o feito de tirar os monstros da obscuridade e da marginalidade.
O pesquisador David J. Skal, no livro The Monster Show: a cultural history of horror, defende a ideia de que o século XX foi predominantemente um período de ascensão dos nosso monstros interiores. Na literatura, no teatro e no cinema, vampiros, extraterrestres e animais selvagens foram aparecendo com cada vez mais frequência desde a década de 1910.
Na Alemanha, os monstros eram recorrentes no ciclo de produções expressionistas. Nos anos 30, a Universal apropriou-se deles para suas adaptações da literatura gótica. Na década de 1950, a divisão do mundo provocada pela Guerra Fria e o medo de um ataque nuclear rendeu inúmeras produções sobre criaturas gigantes, invasões marcianas e ameaças horripilantes escondidas em nossa vizinhança.
A geração de Spielberg e George Lucas conseguiu o feito de tirar os monstros da obscuridade e da marginalidade. Na saga Star Wars, o público podia vê-los em plena luz do dia. Os efeitos visuais e as maquiagens eram o estado da arte do período, o que garantia que nenhuma produção de baixo orçamento conseguiria reproduzir o feito da mesma maneira.
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Não por acaso, o cinema de horror comercial abraçou nomes do cinema independente e, nos anos 80, produziu inúmeros clássicos recheados de monstruosidades. Rapidamente, os monstrengos também foram parar em outros gêneros, como o drama, em O Homem Elefante (1980); a comédia, com Um Hóspede do Barulho (1987); e a aventura, em Conan – O Bárbaro (1982).
Também fruto de uma cultura originalmente marginalizada, os quadrinhos sempre exploraram monstros como temas recorrentes de suas narrativas. Mesmo em histórias de super-heróis. Demorou para que as adaptações cinematográficas mais comerciais investissem pesadamente nessas temáticas. Um exemplo são as primeiras versões de Superman para o cinema e para a televisão, em que raramente apareciam criaturas alienígena. Hoje, Batmas V. Superman (2016) e o seriado Supergirl estão cheios de personagens fantásticos e grotescos de outros planetas. Muitos nem são ameaças.
Aliás, a presença dos monstros como antagonistas aos humanos é cada vez menor. De alguma forma, parece que estamos tentando dar um sentido a eles, interpretá-los e aceitá-los. Vide O Lobisomem (2010), Drácula – A História Nunca Contada (2014) e Victor Frankenstein (2015).
Em uma das cenas do primeiro Homens de Preto (1997), Jay (Will Smith) está em uma sessão de treinamento e precisa atirar nas ameaças de um simulador. Ele dispara uma vez, na cabeça da pequena humana Tinfanny. Ao ser questionado pela ação, o personagem avalia que, de todas os alienígenas que estavam ali, ela era a única que parecia perigosa, enquanto as aberrações pareciam inofensivas, pois uma malhava e a outra assoava o nariz. A cena é uma grande alegoria sobre como passamos a conviver com as diferenças, evitando julgá-las pelas aparências. Independentemente do quanto sejam monstruosas.