O diretor Rodrigo Aragão faz cinema de horror no Brasil desde quando isso ainda era um ato de resistência por aqui. Seu primeiro filme, Mangue Negro (2008), foi rodado de forma independente, com a ajuda de amigos. Quando circulou por festivais, arrancou elogios do público e da crítica e abriu caminho para que o cineasta virasse um dos principais nomes nacionais do gênero.
Seu título mais recente, A Mata Negra, está em rápida passagem por diversas salas comerciais do país. A trama acompanha Clara (Carol Aragão, filha do diretor), uma jovem que encontra um saco com moedas de ouro e um livro de ocultismo no meio de uma floresta capixaba. A descoberta é o início de uma escalada de acontecimentos que culminam em chacinas, nascimentos de bebês-aves e invocações do diabo.
Financiado com apoio do fundo setorial, a obra é visualmente muito mais robusta do que os trabalhos anteriores de Aragão. Há elaborados planos sequências, tomadas aéreas e efeitos visuais incríveis. Na narrativa, ele mantém a coerência com a ambientação e os temas abordados em seus filmes anteriores. Clara, inclusive, é uma personagem que havia aparecido em Mar Negro (2013), longa-metragem do cineasta lançado antes da antologia As Fábulas Negras (2014).
A presença de um rosto conhecido do grande público como Jackson Antunes no elenco ajuda a qualificar a produção. No papel de um líder religioso, o ator tem alguns dos melhores momentos do enredo, discursando sobre como é importante conduzir grandes massas com uma mensagem para garantir poder. Chega a ser assustadoramente profético ouvir o personagem dizer que pode ser Presidente da República porque sabe dizer o que o povo quer ouvir (e tem lá seu livro de magia negra para ajudar).
Há, aliás, um claro subtexto político por trás da trama de A Mata Negra, que debate conservadorismo religioso, moralidade e tensões entre grupos estabelecidos e excluídos da sociedade brasileira.
Há, aliás, um claro subtexto político por trás da trama de A Mata Negra, que debate conservadorismo religioso, moralidade e tensões entre grupos estabelecidos e excluídos da sociedade brasileira. Aragão não é o único a colocar essas questões em pauta dentro do cinema de horror brasileiro neste ano. O Animal Cordial (2018), de Gabriela Amaral Almeida, e As Boas Maneiras (2018), de Juliana Rojas e Marco Dutra, são permeados por representações de fronteiras entre classes sociais e metáforas sobre o preconceito.
Forçando o paralelo entre os três filmes, podemos perceber que em cada um deles existe protagonistas que agem em função de seus próprios interesses e comprometem as pessoas que os cercam. É como se estivessem retratando uma sociedade que deixou de pensar coletivamente e releva apenas suas próprias vontades. Qualquer semelhança com a realidade política e partidária do país não parece ser mera coincidência.
Entre pesquisadores e realizadores do horror é senso comum a ideia de que tempos sombrios são um período propício para o surgimento de obras sombrias que refletem as angústias nacionais. Foi assim com o expressionismo alemão, que dialogava com o pós-primeira guerra alemão; com as ficções científicas americanas da década de 1950, que manifestavam a preocupação nuclear; e com o torture porn, que serviu como uma violenta resposta ao mundo que surgiu após o 11 de setembro. Nas telas, o terror brasileiro, pelo jeito, seguirá o mesmo caminho.