Uma menina desaparece dentro de casa, mas ainda pode ser ouvida pelos seus pais. Ela foi parar em uma nova dimensão, perigosa por ser habitada por estranhas criaturas. A premissa é do episódio “Little Girl Lost”, da terceira temporada de Além da Imaginação, mas poderia muito bem ser aplicada para descrever a trama de Poltergeist – O Fenômeno (1982).
Escrevi em algumas oportunidades que o seriado criado por Rod Serling é uma das produções mais influentes da segunda metade do século XX (leia mais). Stephen King, talvez o nome mais expressivo do horror nesse período, assume ter sido profundamente afetado pelo tipo de história narrada pela série. Outro admirador do programa é Steven Spielberg, que chegou a bancar uma versão cinematográfica da série em No Limite da Realidade (1983). O filme tinha como colaboradores John Landis, Joe Dante e George Miller.
Melhor do que em nenhum outro programa de televisão, Além da Imaginação soube entender o que significa uma ficção fantástica.
Spielberg, inclusive, criou sua própria versão de Além da Imaginação nos anos 80, com Amazing Stories (1985 – 1987). Praticamente toda a cinematografia do diretor parece descender do tipo de narrativa existente na zona do crepúsculo. De Encurralado (1971) a Jogador Nº 1 (2018), sua obra fantástica parece pensar o extraordinário como uma condição a ser enfrentada no mundo real, colocando os personagens para reagir como nós mesmos reagiríamos diante de um alienígena que bate à nossa porta. Exatamente como na série.
Existe, porém, no seriado exibido entre 1959 e 1964 um outro tipo de impacto. O das refilmagens espirituais. Protagonizada por Jim Carrey, a comédia O Mentiroso (1997) usa o mesmo argumento do episódio “The Whole Truth”, da segunda temporada. O mesmo pode se dizer de Trocando os Pés (2014), estrelado por Adam Sandler, e “Dead Man Shoes”, episódio da terceira temporada sobre um homem que coloca os sapatos de alguém que morreu e passa a viver a mesma vida de quem o usava anteriormente. Gigantes de Aço (2011), de Shawn Levy, não apenas empresta a premissa de um capítulo do quinto ano como assumidamente se baseia no roteiro de “Steel”, assinado por Richard Matheson.
Pela internet é possível encontrar inúmeras listas apontando coincidências de enredos em outras tramas, que incluem um paralelo temático entre Toy Story (1995) e “Cinco Personagens à Procura de uma Saída”, da terceira temporada; entre o boneco malvado que fala e mata em Brinquedo Assassino (1988) e a ameaçadora boneca de “Living Doll”, da quinta temporada; e até entre a morte que encontra Anthony Hopkins no romance Encontro Marcado (1998) e a que encontra Ed Wynn no episódio “One For the Angels” (1959), da primeira temporada.
Melhor do que em nenhum outro programa de televisão, Além da Imaginação soube entender o que significa uma ficção fantástica. Por isso o fato de sempre a retomarmos como referência quando estamos diante de programas como Black Mirror ou Arquivo X.
Sua permanência na cultura americana certamente deve muito também a seu público mais famoso, sempre disposto a ressaltar sua importância para as novas gerações. Não por acaso, Jordan Peele, profundo admirador da série e amplamente em evidência agora por causa do sucesso de Nós (2019), está prestes a lançar uma nova versão de Além da Imaginação, que estreia em alguns dias nos Estados Unidos.