Quando perguntam a Stephen King quais são suas adaptações favoritas para o cinema, o escritor nunca deixa de mencionar Cujo (1980). O filme, de pequenas proporções, foi bastante fiel ao livro num momento sensível para o romancista, que ainda amargurava a adaptação bastante livre de O Iluminado (1980), dirigida por Stanley Kubrick.
Embora tenha sido recebido com críticas mistas na época em que foi lançado nos cinemas, a produção rapidamente ganhou status de pequeno clássico. Frequentemente é referenciada em seriados, como Friends, e até ganhou um trecho só para si na série Eli Roth’s History of Horror, exibida na televisão americana no último trimestre do ano passado.
A obra, que conta a história de um são bernardo que é mordido por um morcego com raiva e desenvolve um instinto assassino, é o típico enredo de King. O dócil animal, que gosta de ser acariciado por crianças, de uma hora para outra vira uma máquina de matar, mostrando que qualquer elemento do nosso cotidiano pode rapidamente se tornar uma ameaça.
Em entrevistas, o escritor diz que essa noção de que tudo pode ser fonte de medo envolve sua própria maneira de lidar com o mundo. “Sou pequeno e coisas grandes me assustam”, disse ele certa vez ao explicar porque transformou caminhões em monstros em Comboio do Terror (1986).
Pensar o são bernardo, historicamente associado a missões de resgate na Europa, como uma criatura sanguinária, portanto, faz bastante sentido nessa lógica. Cujo mudou a forma como o público passou a enxergar o cão. No imaginário popular, além de pertencer a uma raça altruísta, o cachorro também virou insanamente perigoso. O filme dirigido por Lewis Teague catalisou essa imagem (mesmo que tenha usado um rottweiler e um robô nas cenas em que o animal precisava parecer mais ameaçador).
Embora tenha acabado de completar 35 anos,o longa-metragem de Teague parece ter envelhecido pouco. É possível que isso se dê graças ao uso de efeitos práticos e do desempenho de Dee Wallace, que carrega a trama nas costas.
Mais do que um bicho fora de controle, Cujo também é a personificação dos nossos medos. No enredo, Tad, o garotinho vivido por Danny Pintauro, teme o monstro imaginário que vive em seu quarto. Nunca materializado, o medo é uma materialização dos perigos que vivem em Castle Rock, cidade imaginária onde se passa a história.
No livro, o espectro invisível que habita o quarto de Tad é, na verdade, a presença do serial killer Frank Dodd, morto anos antes na trama de A Zona Morta e imortalizado no filme dirigido por David Cronenberg em 1983. Considerando que Cujo foi lançado no mesmo ano e produzido por outro estúdio, parece natural que as referências ao personagem desapareçam da adaptação.
Embora tenha acabado de completar 35 anos, o longa-metragem de Teague parece ter envelhecido pouco. É possível que isso se dê graças ao uso de efeitos práticos e do desempenho de Dee Wallace, que carrega a trama nas costas como a mãe que fica presa dentro do carro esperando pela morte nas mandíbulas do monstro são bernardo. A atriz saiu genuinamente exausta e machucada das semanas de trabalhos físicos durante as gravações.
O interesse por Cujo reapareceu durante a exibição da primeira temporada de Castle Rock, seriado do Hulu lançado no ano passado. O ataque canino está entre recortes de casos estranhos que aconteceram na cidade e são guardados pelo xerife Alan Pagnborn (vivido por Scott Glenn na série), que entra para o cargo substituindo o xerife Bannerman, devorado pelo cachorro nessa história aqui.
Com alguma frequência, King também diz que escreveu o romance original sob o efeito de drogas e tem pouca lembrança do modo como concebeu o título. Ele inclusive lamenta a decisão de ter matado Tad no romance, algo que não acontece no filme. Não deixa de ser curioso pensar que uma obra que tenha criado uma imagem tão forte na cultura ocidental (pessoas que nunca tiveram contato com a narrativa costumam ter uma leve ideia de quem é Cujo) tenha sido feito por alguém quase inconsciente de suas escolhas.