No início do ano, uma filial da Rede Record de Mato Grosso do Sul exibiu um vídeo no programa Cidade Alerta com imagens de um suposto lobisomem, que teria sido avistado na cidade de Iguatemi. A imagem da criatura, que viralizou, era de uma fantasia elaborada pelo cineasta Rodrigo Aragão para a antologia de histórias de horror brasileiras Fábulas Negras (2015). O reconhecimento espontâneo não trouxe frutos financeiros para o artista do Espírito Santo, mas é uma evidência bastante expressiva de seu talento nos efeitos especiais.
Um dos principais nomes do cinema de horror nacional, Aragão é um profundo defensor dos filmes de monstro. Com inspiração em clássicos americanos da década de 1980, ele cria em sua oficina zumbis, demônios e outros seres que fazem parte da mitologia brasileira para filmes que realiza quase sempre com a mesma equipe.
Filho de um mágico dono de cinema, o capixaba não estudou a sétima arte formalmente. O que leva para a tela aprendeu como cinéfilo ou com anos de prática. Atualmente, prepara o lançamento de Mata Negra (2018), sua primeira grande produção realizada com apoio do fundo setorial. Nesta entrevista, ele fala sobre seu novo filme, o horror nacional e seus próximos projetos.
Escotilha » Como está a produção de Mata Negra?
Rodrigo Aragão » Está no processo de finalização e pós-produção. Estamos na reta final. O filme deve estar pronto no início de 2018 e espero lançá-lo comercialmente em meados de 2018.
E sobre o que é?
Mata Negra é o meu filme mais lírico. Tem um diálogo com personagens que estiveram em Mar Negro [filme de Aragão de 2013]. A trama é sobre a jovem Clara, que encontra o livro perdido de São Cipriano, uma obra de magia negra. Ela tenta usar essa magia em busca da felicidade e do amor, mas isso liberta um mal sobre a terra.
Sua rotina de produção mudou muito com o apoio do fundo setorial?
Muito. Foi maravilhoso finalmente ter uma estrutura profissional, com bons equipamentos e um cronograma possível. Mata Negra é o melhor set em que eu já trabalhei, confortável e muito profissional. Na verdade, não tive nenhum problema.
A Noite dos Chupacabras (2011) já trazia personagens de Mar Negro. Como você pensa a continuidade dessas histórias?
Essa continuidade está principalmente no meu universo de fábula, que é atemporal, brasileiro e capixaba interiorano. Dois personagens muito importantes de Mata Negra estiveram em meus filmes passados, como a Clara e Albino. Estamos fazendo uma graphic novel chamada As Fábulas da Decomposição, desenhada e criada por Eduardo Cardenas, um trabalho genial, que deve encerrar a história dos zumbis [presentes em Mar Negro]. Queremos lançá-la simultaneamente ao filme.
O que você procura quando faz cinema?
Acho que a coisa mais bonita do cinema é extrapolar a realidade. Tento criar fantasias e tirar o público do mundo real por uma hora e meia. Isso me encanta desde a minha infância. Quero fazê-los acreditar em seres fantásticos e reproduzir essa sensação de magia, mas com um toque brasileiro.
Acredito que quanto mais regionais são meus filmes, mais universais eles se tornam.
O que é horror para você?
É o tipo de história mais antiga da humanidade. Acredito que desde quando as histórias eram contadas em volta da fogueira, as pessoas já gostavam do terror. Elas falavam sobre o que tinha nas sombras. O terror sempre despertou um fascínio nas pessoas. Sempre que trabalho com o gênero, penso em como alterar a emoção de uma pessoa e fazê-la sentir medo vendo um filme que não é real.
Essa associação entre filme, fantasia e magia veio do fato de seu pai ser mágico e dono de cinema?
Isso. Comecei frequentar o cinema muito cedo, com cinco anos. O efeito especial é uma mágica. Faz as pessoas acreditarem em uma ilusão. Tanto o mágico quanto o técnico de efeitos especiais são técnicos que me fascinam muito.
É muito importante para você ter efeitos visuais em seus filmes?
Os efeitos especiais são um tempero maravilhoso para se retratar o fantástico. Como comecei a pensar em cinema ainda na minha infância, brincando de fazer monstros, meus filmes sempre terão efeitos especiais. Gosto muito de fazer coisas que não existem.
O que você achou da viralização do lobisomem criado para o Fábulas Negras?
Foi uma sensação estranha. Tem uma satisfação profissional e técnica, por criarem uma polêmica em cima de uma fantasia e de uma maquiagem. Por outro lado, mostra como o meu cinema ainda não alcança o grande público. É uma sensação agridoce. O vídeo é um pedaço de um making of, feito de maneira despretensiosa sem intenção de enganar ninguém. Dez milhões de pessoas viram e ficaram debatendo. É uma penetração de mercado que nunca tive em um trailer oficial. Mostra o quanto precisamos melhorar a divulgação dos nossos filmes.
Você acha que está cumprindo algum papel dentro do cinema de horror nacional?
Não penso nisso, não. Tento ser fiel às minhas raízes e isso traz uma originalidade aos meus filmes. Tenho muita fé no terror brasileiro, graças à originalidade de muitos diretores. Será um gênero muito rico no futuro, com o terror elegante e teatral do Paulo Biscaia Filho, a ultra violência do Dennison Ramalho, o pós-terror do Marco Dutra e o terror espírita do Samuel Galli.
Sua opinião sobre pós-horror?
Acho que tudo o que divulga o gênero é bom. Tenho achado alguns debates bem interessantes e tenho profundo respeito por profissionais que seguem nessa linha, mas acho que nunca vou fazer um filme de pós-terror, porque um filme de terror sem sustos é como uma música de rock sem bateria.
Seus filmes chegaram à Netflix do Japão, mas não no serviço daqui. Você sente sua obra tem mais receptividade lá fora?
Meus filmes sempre tiveram desempenho melhor fora do Brasil do que aqui. É algo que também acontecia com os filmes do [José] Mojica [Marins]. Acredito que quanto mais regionais são meus filmes, mais universais eles se tornam.
Como está a série Fábulas Negras?
O projeto Fábulas Negras tem o roteiro da primeira temporada, mas está um período na gaveta enquanto eu cuido da pré-produção de O Cemitério das Almas Perdidas e do roteiro de Corpo Seco. Em breve devo retornar essa ideia da série.
Conta mais sobre o que vem por aí…
Rodar as salas de cinema com Mata Negra, quebrando a barreira comercial e de distribuição no Brasil, é o grande desafio da minha vida agora. Conto com a ajuda dos fãs do gênero. Talvez o boca a boca seja a melhor ferramenta que tenho no momento. Depois vem O Cemitério das Almas Perdidas, minha maior produção. Será um filme épico. Terá bandeirantes, jesuítas e vampiros. Também trabalho nesse projeto de uma figura folclórica brasileira chamada Corpo Seco.