O cineasta George A. Romero deixou o mundo dos vivos no último dia 16 de julho, domingo, aos 77 anos. Um dos nomes mais influentes do cinema de horror, o diretor foi responsável por evidenciar o potencial do gênero para a crítica social. Sua filmografia é basicamente composta por títulos que comentam nossos comportamentos sociais, políticos e culturais.
No início de sua carreira, Romero dirigia comerciais de televisão em Pittsburgh, na Pensilvânia. Com o apoio de amigos, produziu A Noite dos Mortos-Vivos (1968), um dos filmes mais importantes da história do cinema de horror. O título, como escrevi em pelo menos duas oportunidades nesta coluna, inovou no visual, na temática e no subtexto político (leia aqui e aqui).
O olhar de Romero para o mundo contemporâneo foi sempre distante e pessimista, como se esse despertar dos mortos fosse algum tipo de punição moral pelos nossos pecados.
É no canibalismo dos zumbis de Romero que surgem as raízes do gore, o derramamento de sangue visualmente explícito que hoje é uma das marcas do horror comercial. A ideia de um cadáver cambaleante esfomeado também surge na produção de 1968, influenciando uma geração de outros diretores nas décadas seguintes – que praticamente criaram um subgênero bastante popular voltado só para os mortos-vivos.
A beleza da obra, no entanto, está na crítica social, que permite que o filme renda, mesmo hoje, inúmeras interpretações. Ao lamentar a morte do cineasta no Twitter, o cineasta Jordan Peele postou uma foto de Dwayne Jones, que interpreta Ben em A Noite dos Mortos-Vivos, associando o personagem a Corra! (2017), produção que arrebatou críticos e espectadores no início deste ano.
Romero fez parte da geração new horror, que na onda do rejuvenescer de Hollywood nas décadas de 1960 e 1970, mudou a cara do cinema comercial norte-americano. Ao contrário de alguns de seus contemporâneos – como John Carpenter, Wes Craven e Roman Polanski -, ele nunca foi devidamente apropriado pela indústria.
Passou boa parte da sua vida à margem dos grandes sucessos. Isso não o impediu de produzir pequenos clássicos como O Exército do Extermínio (1973), Martin (1977) e Creepshow (1982). Seu legado, porém, será sempre associado aos filmes de zumbi. Depois de A Noite dos Mortos-Vivos, o diretor voltaria ao tema em Despertar dos Mortos (1978), Dia dos Mortos (1985), Terra dos Mortos (2005), Diário dos Mortos (2007) e A Ilha dos Mortos (2009).
Nessas narrativas, o cineasta discute temas como banalização da violência, exclusão social, consumismo, obsessão pela imagem e o feminismo. O olhar é sempre distante e pessimista, como se esse despertar dos mortos fosse algum tipo de punição moral pelos nossos pecados. No livro The Cinema of George Romero, Tony Williams associa essa determinação social pelo ambiente como um elemento naturalista, semelhante ao visto na obra do francês Émile Zola, que escrevia sobre as classes trabalhadoras de Paris no século XIX.
Descobri a obra de George Romero na adolescência, pescando títulos aleatórios na videolocadora do meu bairro. Mesmo naquela época, senti-me estimulado a decifrar as mensagens escondidas do diretor. Nunca mais abandonei o exercício, que pratico semanalmente nesta coluna há mais de dois anos.