Invasão Zumbi (2016) tornou-se uma grata surpresa para os fãs de horror no fim deste 2016. O filme sul-coreano mostra um grupo de sobreviventes que luta contra uma epidemia de mortos-vivos dentro de um trem. Esse clichê narrativo se torna uma pequena obra de arte nas mãos do diretor estreante Sang-ho Yeon, que dá um tratamento de épico ao batido enredo.
Um pai omisso precisa levar a filha para comemorar o aniversário com a mãe. Ele é estranho aos hábitos da menina, pois mal sabe o que dar de presente a ela na ocasião. Nos primeiros sinais da ameaça do título, o personagem age como um covarde e recusa ajuda a uma mulher grávida. A criança o reprime.
Em certo momento da trama, o pai fica isolado dos demais sobreviventes em um vagão, cercado por mortos-vivos. Para se reencontrar com a filha, deve atravessar a locomotiva, desafio que parece uma metáfora sobre romper a distância que o separa de uma efetiva paternidade.
Em Invasão Zumbi, os protagonistas precisam dialogar com outros sobreviventes para conseguir abrigo. O radicalismo e conservadorismo de alguns, especialmente de um egoísta executivo, impedem que a conversa prossiga – o que acaba destinando um bom número de personagens à morte.
A carga dramática (e trágica) dada ao personagem torna Invasão Zumbi um filme único, que ainda se beneficia de grandiosas cenas de ação. A tensão é constante e o ritmo é acelerado. Há sempre algo acontecendo diante dos nossos olhos. Não raro, isso envolve sacrifícios de personagens carismáticos.
2016
O longa-metragem de Yeon coroa um ano com um saldo bastante positivo para o horror. Enquanto a indústria cinematográfica norte-americana amargou fracassos comerciais e de crítica como Ben-Hur (2016), Alice Através do Espelho (2016) e Independence Day: O Ressurgimento (2016), o cinema de gênero mostrou fôlego.
No início do ano, A Bruxa (2015), de Robert Eggers, tornou-se um clássico instantâneo. Está no topo de praticamente todas as listas especializadas de melhores de 2016. O mesmo vale para Rua Cloverfield, 10 (2016), de Dan Trachtenberg; Hush: A Morte Ouve (2016), de Mike Flanagan; e Invocação do Mal 2 (2016), de James Wan.
Em junho escrevi sobre como os lançamentos deste ano pareciam interessados em discutir a ideia da família como um elemento narrativo, seja pela desagregação ou pelo fortalecimento da necessidade de união. Hoje, tenho a impressão de que, embora isso ainda seja um elemento importante, os filmes do período parecem reforçar a necessidade de diálogo no mundo contemporâneo.
Em Invasão Zumbi, os protagonistas precisam dialogar com outros sobreviventes para conseguir abrigo. O radicalismo e conservadorismo de alguns, especialmente de um egoísta executivo, impedem que a conversa prossiga – o que acaba destinando um bom número de personagens à morte. Em um ano marcado pela ascensão dos movimentos de extrema direita no mundo, com sérios riscos à democracia, a mensagem soa bem pessimista.
A Bruxa mostra uma família que é expulsa de uma comunidade colonial porque o pai se opunha aos dogmas locais. Em Rua Cloverfield, 10, John Goodman vive um sujeito que toma decisões que afetam as pessoas com quem divide um abrigo sem consultá-los. Hush: A Morte Ouve é protagonizado por uma personagem surda. Em Invocação do Mal 2, um dos principais elementos da trama é um segredo guardado do marido pela esposa.
O problema da falta de diálogo também aparece no interessante The Monster (2016), de Bryan Bertino, em que mãe e filha tem uma tumultuada e violenta relação que precisa ser colocada de lado quando um monstro as ataca após um acidente de carro. O tubarão em Águas Rasas (2016), Jaume Collet-Serra, ataca uma Blake Lively que se recusa a conversar com o pai após a morte da mãe. No excelente O Homem das Trevas (2016), de Fede Alvarez, os personagens evitam falar para que não sejam encontrados pelo violento ex-militar vivido por Stephen Lang.
Os filmes, como outras produções culturais, são sempre espaços possíveis de significação da realidade social. Neste 2016, o cinema parece nos lembrar da importância de dialogar. O tema não é exclusivo do horror, pois deu as caras até em grandes produções como Capitão América: Guerra Civil (2016), Batman v. Superman: A Origem da Justiça (2016) e A Chegada (2016). O gênero monstruoso, no entanto, pode vislumbrar melhor o tipo de mundo que teremos se não voltarmos a discutir o mundo de forma racional, civilizada e respeitosa.