O primeiro King Kong (1933) conseguiu catalisar a imagem dos macacos como uma ameaça. O conceito rondava a sociedade ocidental desde a publicação da teoria evolucionista de Charles Darwin. A obra do naturalista britânico foi responsável por inflamar um interesse sobre os símios durante o século XIX, por fazer parte da família dos primatas como os humanos.
O fascínio percorrido por esses animais na cultura do século XX foi semelhante ao dos dinossauros, que também eram objeto de culto por causa das recentes descobertas científicas dos fósseis. Muitos filmes norte-americanos dos primeiros anos do século XX abordaram esse interesse, usando criatividade para retratar o mundo fantástico do passado. O pioneirismo de Willis O’Brien na técnica de stop motion surge com obras como The Dinosaur and The Missing Link: A Prehistoric Tragedy (1917), R.F.D., 10,000 B.C. (1917) e The Ghost of Slumber Mountain (1918) (leia mais).
O primeiro King Kong foi o filme que tornou o macaco em um dos grandes monstros do cinema de horror, ao lado de Drácula, a criatura de Frankenstein e o Lobisomem.
Nessa época, o macaco passa a ocupar um papel de meio humano. Frequentemente, ele é uma ameaça, como no conto Os Crimes da Rua Morgue, de Edgar Allan Poe. Nas histórias do Tarzan, os símios são ajudantes e parte da família do herói. Inconscientemente, muitas dessas narrativas poderiam conter elementos racistas, por dar margem à compreensão de que os macacos eram uma alegoria para os negros.
A questão da raça parece mais complexa em King Kong, pois o filme não se mostra um retrato opaco do imaginário ocidental dos primatas. Embora brinque com a ideia do elo perdido e faça uma clara referência ao imaginário da pré-história, a trama não vilaniza facilmente o gorila gigante e, no último ato, praticamente o torna uma vítima da ganância financeira. Se fosse uma metáfora sobre raça, poderia ser uma denúncia.
O clássico não é lá muito original, pois inspira-se muito na estrutura do romance O Mundo Perdido, de Arthur Conan Doyle. O livro é outro produto desse mesmo fascínio pelo passado e narra o passo a passo de uma expedição de exploradores que escapa de uma terra isolada habitada por dinossauros com um animal. A história foi adaptada para o cinema em 1925, com brilhantes efeitos visuais criados por O’Brien.
Os diretores Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack se apropriaram da trama e adicionaram alguns elementos de suas experiências como documentaristas na África. Em RKO Production 601: The Making of ‘Kong, the Eighth Wonder of the World’, extra de uma das edições recentes em home video de King Kong, há uma sugestão de que os personagens Carl Denham e John Driscoll tenham sido, inclusive, inspirado nos dois cineastas. Ambos gostavam de desbravar novos territórios para conseguir imagens de animais incríveis e transformá-los em espetáculos para o público.
Não por acaso, os dois estiveram envolvidos na sequência O Filho de King Kong (1933) e em O Monstro de um Mundo Perdido (1949), que basicamente recriam o enredo do gorila gigante. David Annan, no livro Ape – Monster of the Movies, revela que esses não foram os únicos a trabalhar em cima do imaginário propagado pelo filme original. Outros tantos títulos como O Gorila Matador (1940), O Homem Gorila (1943) e A Besta Negra (1954), entre inúmeros outros, também passaram a trabalhar com o monstro macaco. Kong, no entanto, continua sendo a grande referência. Indiretamente, também foi o que tornou o primata em um dos monstros mais comuns do cinema de horror, ao lado de Drácula, a criatura de Frankenstein e o Lobisomem.