Comandado pelo talentoso diretor irlandês Neil Jordan, o filme Obsessão (2018) conta a história de uma jovem que encontra uma bolsa em um metrô de Nova York e decide devolvê-la à dona. Depois de fuçar dentro do acessório feminino, a moça (Chloë Grace Moretz), descobre um endereço que a leva até Greta (Isabelle Huppert), uma viúva que vive sozinha. Do encontro nasce uma amizade, que ganha contornos doentios, conforme a senhora passa a perseguir e controlar a sua nova amiga.
Pouco comentada, a produção lançada nos cinemas brasileiros na metade do ano passado parece explorar um medo contemporâneo bastante comum: o de nos relacionarmos com estranhos. Ao abrir espaço para que uma desconhecida entre em sua vida, a personagem de Moretz se torna vulnerável à chantagens emocionais, ameaças veladas e agressões físicas.
Esses títulos que mostram que, nas últimas décadas, estamos frequentemente requentando a preocupação que temos com os desconhecidos.
Obsessão não foi o único filme a tratar do assunto recentemente. Em Ma (2019), de Tate Taylor, uma mulher de meia-idade (Octavia Spencer) passa a permitir que adolescentes festejem no porão de sua casa. Ali, ela descobre informações sobre suas intimidades e passa a manipulá-los para se vingar dos maus tratos que sofreu dos pais deles durante sua juventude.
Os dois longas-metragens lidam de forma muito similar com a paranoia que temos como o outro. Quem vive solitário, em pequenas cidades ou grandes metrópoles, nem sempre tem boas intenções com quem se aproxima de boa vontade. Há, nessas narrativas, uma amostra do ditado que toda criança costuma ouvir: “não converse com estranhos”.
O tema não é, nem de longe, uma novidade no cinema de gênero. Produções como Atração Fatal (1987), A Mão que Balança o Berço (1992) e Retratos de uma Obsessão (2002) já alertavam sobre os perigos de deixar alguém se aproximar da nossa intimidade. Esses títulos que mostram que, nas últimas décadas, estamos frequentemente requentando a preocupação que temos com os desconhecidos. A discussão, no entanto, ganha contornos mais atuais graças à tecnologia.
No seriado You, o sedutor psicopata vivido por Penn Badgley encontra todo tipo de informação sobre suas vítimas na internet. Por meio de dados que elas voluntariamente disponibilizam nas redes sociais, ele descobre a melhor forma de se aproximar das mulheres que se tornam seus alvos, manipulando-as para agradá-las e, eventualmente, matá-las.
Estamos diariamente adicionando pessoas que mal conhecemos nos nossos círculos de convivência virtuais. Muitas delas estão prontas para nos agredir diante de qualquer discordância – geralmente municiados de referências de nossas próprias vidas que coletam de nossas contas. O cinema de horror ajuda a entender um pouco desse complexo comportamento dos estranhos que nos cercam, mostrando como um contato desses pode dar muito errado.