Enquanto observava os filhos brincarem no parquinho do Passeio Público, um pai não escondia o incômodo com o que via. O playground estava apinhado de gente naquele fim de tarde de 23 de outubro de 2022. Fazia um raro dia de sol em Curitiba, ideal para levar os pequenos para curtir o mais antigo parque da cidade. O problema é que o Coreto Digital, que fica ali em frente, estava passando um monte de filmes de horror.
“Como é que deixam passar esse tipo de coisa na frente das crianças?”, perguntava o homem aos estranhos que olhavam fascinados para a tela. “Deveriam passar filmes infantis!”
Um dos curtas exibidos na ocasião era o curitibano Eterna Companheira (2022), dirigido por Ales de Lara e protagonizado por Michelle Rodrigues. A narrativa mostra uma mulher que envenena acidentalmente o próprio cachorro, o enterra no quintal e depois é assombrado pelo retorno do animal. Nada grotesco é mostrado na tela. O horror é subentendido. Menos assustador do que o que é mostrado na Sessão da Tarde. Mesmo assim, incomodou.
A sessão que irritou um pai naquela tarde fez parte da programação do DJANHO! É a mostra internacional e interbairros de cinema fantástico de Curitiba, piá!. Chamado de Coreto do DJANHO!, a exibição foi uma das mais bonitas do evento. Teve animação, filmes de realizadores locais e obras internacionais. Tudo com pouco diálogo e muita inventividade visual – permitida para todas as idades.
Idealizado pelo cineasta Paulo Biscaia Filho, o DJANHO! tinha também como missão levar o cinema de fantasia e horror para um público pouco acostumado com o gênero. Por isso a proposta de realizar exibições em praças, locais abertos e ambientes inusitados, como o Bar Nosferatus, no Boqueirão.
Como fiz parte da curadoria, pude acompanhar de perto algumas percepções da plateia. Uma jovem, que compareceu à sessão de OPAL (2022) – animação da Martinica que usa elementos lúdicos e um ambiente de afrofuturismo para discutir abuso sexual -, me confessou que não imaginava que um festival de cinema fantástico e de horrror pudesse ter filmes tão sensíveis.
Uma parte da programação também era voltada para os mais fortes (e maiores de 18 anos). Aos filmes mais violentos e pesados, criamos uma sessão chamada de Proibidão do DJANHO!, que ocorreu na Sala Valêncio Xavier do Cine Passeio, no dia 22 de outubro. O espaço encheu de gente que estava atrás de uma experiência cinematográfica mais visceral – e (exagerando um pouco) traumatizante.
Também exibimos em tela grande alguns clássicos do cinema de horror, como O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968), principal fruto da colaboração entre o cineasta José Mojica Marins e o escritor Rubens Francisco Luchetti. Teve até uma mesa para discutir a colaboração dos dois com a presença do crítico de cinema Marcelo Miranda e do quadrinista José Aguiar, ambos especialistas no tema.
Na Cinemateca de Curitiba, Biscaia também passou os longas-metragens A Loja dos Horrores (1960), de Roger Corman; A Noiva do Monstro (1955), de Ed Wood; e A Casa dos Maus Espíritos (1959), de William Castle. Esta última sessão, no dia 19 de outubro, ocorreu com o sistema Emergo, em que um esqueleto apareceu diante dos olhos do público recriando uma das cenas vistas na telona.
A programação do DJANHO! era acompanhada por um mascote, uma capivara maldita chamada de Capirota. O bicho era gigante e usava uma capa de Drácula. As crianças amaram, mas nem todos os pais entenderam o apelo da experiência. Afinal, não se tratava de um personagem puramente infantil.
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A próxima edição do DJANHO! já tem data para ocorrer em 2023. A mostra rola novamente em outubro, entre os dias 11 e 15. As inscrições para o envio de filmes estão abertas desde o último dia 5.
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