Pauline Kael defendeu certa vez que Tubarão (1975) é um filme que ridiculariza a representação do homem. O argumento é baseado em um diálogo entre Robert Shaw e Richard Dreyfuss, que trocam informações sobre cicatrizes de guerra. As marcas são prêmios de masculinidade de personagens que estão caçando um monstro em alto mar. Em certo momento, Dreyfuss aponta para o próprio peito e diz o nome de uma ex-namorada. “Ela quebrou meu coração.”
Para a crítica de cinema da New Yorker, a cena é uma evidência de que o diretor Steven Spielberg ironiza a figura do herói masculino. Trata-se de uma obra que subverte as convenções do gênero, explica ela. O policial vivido por Roy Scheider, por exemplo, é incapaz de salvar a própria família e, sem experiência alguma, decide se aventurar em um barco para caçar um tubarão. Shaw, como um machão obsessivo, acha que pode capturar a criatura sozinho e acaba dilacerado pela mandíbulas do bicho.
Como um produto cultural midiático, o cinema de horror é sempre capaz de servir como um espaço de disputas de significados. É possível que a cena de Tubarão analisada por Kael nem tenha sido concebida dessa maneira. Há sempre um abismo, no entanto, entre o que se pretende dizer, o que é dito e o que é compreendido pelo público e pela crítica cinematográfica.
Muitas dessas representações da fragilidade masculina surgem da vulnerabilidade exigida pelas narrativas do gênero. Os humanos precisar ser ameaçados, afinal de contas.
Particularmente, acho que bons exemplares do gênero costumam tecer comentários sobre a fragilidade da masculinidade. Em uma mesa-redonda que participei há alguns anos, o cineasta curitibano Paulo Biscaia Filho deu um exemplo disso ao interpretar o mito do lobisomem, compreendido como uma reação do homem à puberdade, período em que enfrenta vontades incontroláveis e profundas mudanças corporais.
Em Despertar dos Mortos (1978), de George Romero, Stephen (David Emge) emula o papel de Scheider em Tubarão. É ele quem precisa proteger a mulher grávida, mesmo sem ter qualquer habilidade para isso. A maneira como insiste nas escolhas erradas para garantir sua autoridade masculina acaba por deteriorar seu relacionamento e culmina com sua morte.
O mesmo parece ocorrer com o grupo de sobreviventes em uma base de pesquisa na Antártida, em O Enigma do Outro Mundo (1982), de John Carpenter. Liderados por Kurt Russell, esses homens são incapazes de lidar com uma ameaça que modifica seus comportamentos e aparências. Na teimosia, são assassinados um a um pelo monstro alienígena de inspiração lovecraftiniana.
Muitas dessas representações surgem da vulnerabilidade física, social e masculina exigida pelas narrativas do gênero. Os humanos precisar ser ameaçados, afinal de contas. Geralmente, as mulheres são alvo dessas análises – que entendem personagens como a Tenente Ripley, de Alien – O Oitavo Passageiro (1978), como um outro tipo de enfrentamento crítico à suposta força inerente dos homens heteronormativos.
Talvez o filme que melhor discuta a fragilidade do macho seja O Incrível Homem que Encolheu (1957), de Jack Arnold. Disfarçado de aventura de ficção científica, o roteiro de Richard Matheson mergulha fundo no medo masculino de ser menor diante das mulheres e da sociedade. A trama mostra um cidadão norte-americano que, após ter contato com uma nuvem radioativa e com um tipo específico de pesticida, começa a encolher.
Com os dias contados, ele assiste ao distanciamento da mulher e da filha e da ridicularização de ser ameaçado por pedófilos, gatos e insetos gigantes. O livro que inspirou a produção vai ainda mais longe, incapacitando o personagem diante de seus próprios desejos sexuais e de sua raiva, que gera palavras agressivas em uma voz fina para as pessoas com quem convive.
O conceito é assustador. Uma evidência de que o horror brinca muito com medos bem masculinos. Enquanto isso, o senso comum continua a afirmar que o gênero serve apenas para amedrontar mulheres.