Stanley Kubrick era um dos maiores nomes de Hollywood quando decidiu que seu próximo filme seria uma adaptação de O Iluminado (1980). O projeto foi um marco histórico desde o início, pois a ideia de um cineasta de renome com a crítica e com o público trabalhar com o horror era relativamente rara até então. Seria a consagração da geração new horror e da popularidade de Stephen King.
O escritor, como todos sabem, acabou não gostando muito do olhar do diretor para sua obra. Por anos, criticou o projeto sempre que lhe davam oportunidade em entrevistas. Embora reconhecesse o valor estético do longa-metragem, achava que o resultado excluía elementos fundamentais de sua história. Em resumo, Kubrick destituiu King da narrativa e a tomou para si.
Mesmo que a adaptação não tenha agradado a Stephen King, ela rendeu frutos que ajudaram o autor a se tornar praticamente um sinônimo do cinema de horror nos anos seguintes.
O fato de Danny ter um protagonismo importante no livro, ver objetos inanimados ganharem vida e seu pai ter algum tipo de humanidade são absolutamente ignorados na adaptação de 1980. A trama, que se estrutura em um clássico conto de mansão mal assombrada, fica mais imprecisa e vaga. No filme, há questões que nunca se resolvem, como a insinuação de que Jack Torrance (Jack Nicholson) está apenas delirando, manifestando imagens e alterando levemente a realidade.
Poucas adaptações de King, aliás, rendem tantos debates quanto O Iluminado. Óbvia escolha como um dos melhores títulos do horror, o longa-metragem é alvo de contínuos ensaios que analisam pontas soltas deixadas pelo diretor. Por isso, a compreensão dificilmente se resolve quando assistimos ao filme uma única vez.
O fator replay, inclusive, gera teorias malucas, de observadores meticulosos. O diretor Rodney Ascher fez um documentário, O Labirinto de Kubrick (2012), somente com teorias fantásticas sobre o filme. Uma delas afirma que a obra seria uma complicada maneira de Kubrick revelar ao público que ajudou a forjar a chegada do homem à lua. Outra, diz que o diretor encheu a tela de símbolos sexuais, como um supostos falos desenhados no característico carpê do hotel.
Uma das análises apresentadas por Ascher que mais faz sentido é sobre a iconografia indígena apresentada na obra. O Overlook, como apresentado pelo gerente a Jack Torrance, foi construído em cima de um cemitério de americanos nativos (ideia que King também usaria no livro O Cemitério). Por conta disso, a decoração do edifício é repleta de referências aos índios, que foram dizimados por colonizadores europeus. Os corredores repletos de sangue seriam uma maneira de representar essa violência na história dos Estados Unidos.
A disputa entre o diretor e o escritor também aparece como um detalhe peculiar deixado no filme, segundo O Labirinto de Kubrick. De acordo como um dos entrevistados, a cena em que Dick Halloran dirige até o hotel e passa por um acidente seria uma maneira do cineasta mostrar seu desprezo pelo livro de King. Isso porque por alguns instantes, Kubrick detém a câmera num fusca vermelho destruído por um caminhão. No original, esse é o carro da família Torrance. No filme, o fusca usado pelos personagens é amarelo.
As interpretações exageradas de O Iluminado, que sem dúvida nenhuma é um grande filme de horror – inovador, bem dirigido e assustador -, ajudam a manter o clássico atual. Mesmo que a adaptação não tenha agradado a Stephen King, ela rendeu frutos que ajudaram o autor a se tornar praticamente um sinônimo do cinema de horror nos anos seguintes. O escritor, aliás, não pode mais falar mal da adaptação de Kubrick, pois assinou um contrato em que se comprometeu não criticar a visão do cineasta. O preço foi a fiel, mas sem graça, minissérie homônima de 1997.