Se o cinema de horror dialoga com a realidade como uma espécie de reflexo, não podemos deixar de pensá-lo como um espelho distorcido daquilo que somos. O gênero amplia nossos medos, evidencia nosso sadismo e mostra a fragilidade do mundo em que vivemos. É compreensível que muita gente passe longe dessas produções ao longo da vida.
A ideia do horror como um reflexo difuso do real aparece também em muitos filmes cuja trama é estruturada a partir da relação do ser humano com a própria imagem. A versão horrível da Rainha Má, em Branca de Neve e os Sete Anões (1997), revela-se por meio de um espelho. Antes de ser mágico, o objeto serve para mostra o que há dentro da vilã, um espírito assassino e vaidoso.
Não faz diferença definir o que é real ou não, pois o que se vê nunca será precisamente o que nos é mostrado.
No mito de Narciso, um jovem apaixona-se pela própria imagem e morre ali mesmo, admirando o que vê na água. Tradicionalmente, estamos acostumados a atribuir a culpa da morte ao próprio personagem grego, mas há quem defenda que o grande problema estaria no espelho.
É o caso de O Espelho (2013), de Mike Flanagan, que narra a relação de uma família com um objeto de decoração amaldiçoado. A trama divide-se em duas linhas temporais. No passado, vemos os pais de duas crianças enlouquecendo enquanto olham o próprio reflexo na parede. No presente, a filha mais velha dos dois tenta convencer o irmão de que o artefato é o responsável pela tragédia que os assolou na infância.
Durante toda a narrativa, Flanagan brinca com o limite do reflexo e da realidade. O espelho não assume uma consciência, como um monstro inanimado, mas parece incitar distorções nas imagens vistas pelos personagens. A ponto de afetar o modo como entender o espaço em que estão. Perto do fim do filme, os espectadores naturalmente têm dificuldade em diferenciar o que é um jogo de ilusões e o que se apresenta como verdade para os protagonistas.
Outro título que compartilha da mesma maneira de pensar o reflexo é o filme coreano Espelho (2003), de Sung-ho Kim. O enredo acompanha um policial aposentado, que precisa lidar com uma série de mortes que ocorrem dentro de um shopping prestes a abrir as portas para o público. Como na refilmagem norte-americana Espelhos do Medo (2008), de Alexandre Aja, as mortes são provocadas por uma entidade sobrenatural que vive dentro dos reflexos.
A obra evoca uma ideia de que podemos ver uma dimensão nova dentro dos espelhos. Adentrar o reflexo é encontrar um mundo inteiro distorcido. Como Flanagan, Kim brinca com essa ideia usando a câmera. Constantemente, somos surpreendidos com um movimento da imagem que revela que o que víamos era um reflexo de um dos espelhos do cenário. É como se a produção estivesse defendendo que não faz diferença definir o que é real ou não, pois o que se vê nunca será precisamente o que nos é mostrado na tela.
Essa mensagem dialoga com a própria ideia do cinema, enquanto uma forma de representação que reflete, mas nunca será, a realidade. Esses filmes são, assim, exercícios metalinguísticos, que nos levam a pensar sobre o modo como encaramos nossas próprias imagens e o que se projeta de nós quando olhamos para um reflexo.