Um site norte-americano publicou em meados do ano passado que o filme mais assustador do catálogo da Netflix era um documentário chamado The Nightmare (2015). Não levou muito tempo para que tivéssemos acesso ao título por aqui no site, disponível com o nome O Pesadelo – Paralisia do Sono. Dirigido por Rodney Ascher, a produção investiga um distúrbio de sono que faz com que as pessoas acordem, mas não consigam se mexer. O mais macabro dessa experiência é que a maioria das vítimas tem alucinações com sombras escuras, seres humanoides e um homem de chapéu.
Como o cinema é o espaço ideal para a materialização dos sonhos, o diretor decidiu dramatizar esses delírios como se fossem sequências de A Hora do Pesadelo (1984), com menos sangue. O resultado dá bastante medo. Especialmente porque a paralisia do sono apresenta um conjunto de sintomas bem documentados e vastamente explorados na internet.
O tema não tem lá muito suporte científico. “A explicação médica para o problema é uma besteira”, diz um dos personagens ouvidos pelo cineasta. Por opção, The Nightmare não ouve médicos, psicólogos ou sociólogos. O olhar entregue pela obra é o da paranormalidade, apoiada no discurso de que tudo o que é mostrado é possível. Nenhuma afirmação é categorizada como verdade, porém.
Apesar de ter cuidado em não fazer afirmações categóricas, o fato de usar o formato documentário garante um discurso de verdade aos filmes de Ascher.
Esse cuidado com o que pode ou não ser real nos depoimentos do documentário não o torna menos incisivo em sua representação da realidade. As aparições sobrenaturais são exibidas na tela como fenômenos reais. Há, inclusive, sugestões de que casos de possessão demoníaca e abduções por alienígenas possam, na verdade, ser frutos de interpretações equivocadas de paralisia do sono.
Essa não é a primeira vez que o cineasta documenta delírios coletivos como retratos da realidade. Em 2012, o filme O Labirinto de Kubrick (Room 237) deu voz a um bando de conspirações malucas sobre O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick. Sem qualquer afiliação com pessoas ligadas à produção, o documentário mostra possíveis sentidos ocultos na celebrada (e pouco fiel) adaptação do romance homônimo de Stephen King.
De uma história de fantasmas, discretamente filmada como um horror psicológico, O Iluminado dos entrevistados de Ascher se torna uma grande denúncia sobre o massacre de indígenas no oeste dos Estados Unidos, uma parábola sobre a história da humanidade e um discurso sobre a sexualidade no século XX. Um dos entusiastas chega a defender que Kubrick escondeu uma confissão de que teria mesmo ajudado o governo norte-americano na farsa de que o homem teria pisado na lua.
Como em The Nightmare, O Labirinto de Kubrick pode ser acusado de forçar a barra para flexibilizar a realidade. Assim, não seriam retratos desvinculados da ficção e, facilmente, se encaixariam em uma ideia de que o horror enquanto forma de arte nem sempre precisa de ameaças e monstros imaginários.