Minha geração cresceu em uma época em que os filmes que passavam na televisão eram sempre melhores do que os que eram exibidos no cinema. Nos anos 90, uma criança poderia ver na tela grande títulos como Free Willy (1993), O Hóspede Quer Bananas (1996) e Flubber (1997). Na Sessão da Tarde havia De Volta para o Futuro (1985), O Clube dos Cinco (1985) e Uma Cilada para Roger Rabbit (1988).
A comparação é simplória, mas serve como exemplo para justificar porque estamos vivendo um ciclo nostálgico interminável dos produtos culturais dos anos 80. Por alguma razão, assimilamos a década colorida como um parâmetro de qualidade, um período do qual é possível resgatar temas, heróis e estéticas da nossa infância. De quebra, ainda podemos apresentá-los a um público mais jovem e mantê-los atuais por sabe lá Deus quanto tempo.
É mais ou menos com esse espírito que estreou o seriado Stranger Things, da Netflix, na última sexta-feira. O programa é pout-porri de referências da época elaboradas pelos irmãos Matt e Ross Duffer, roteiristas da primeira temporada de Wayward Pines. Com apenas oito capítulos, a narrativa é ambientada em uma cidade pacata dos Estados Unidos em 1983.
Há um claro diálogo da série com Super 8 (2011), homenagem técnica – e fria – de J. J. Abrams para os filmes de Steven Spielberg.
O ponto de partida é o misterioso desaparecimento de Will Byers (Noah Schnapp). Enquanto o delegado (David Harbour) lidera as buscas pelo menino, a mãe (Winona Ryder) o contata pelas lâmpadas de casa. Os amigos (Finn Wolfhard, Caleb McLaughlin e Gaten Matarazzo), por sua vez, investigam a ligação do sumiço com o aparecimento de uma estranha menina (Millie Bobby Brown), chamada apenas de Onze.
Há um claro diálogo da série com Super 8 (2011), homenagem técnica – e fria – de J. J. Abrams para os filmes de Steven Spielberg. E.T. – O Extraterrestre (1984) e Os Goonies (1985), por sinal, são inspiração de ambos. Nos dois casos, crianças protagonistas experimentam o sobrenatural como metáfora de divórcio ou luto e agentes do governo que agem constantemente como vilões.
Espalhados pelos cenários, há cartazes de Tubarão (1975), A Morte do Demônio (1981) e O Enigma de Outro Mundo (1982). Diálogos citam O Império Contra Ataca (1980), Poltergeist (1980) e A Chance (1983). Stephen King chegou a twittar sobre como Stranger Things parece um Greatest Hits de sua obra, provavelmente um comentário sobre as semelhanças da trama a livros como A Incendiária, A Coisa e Carrie – A Estranha.
Nos primeiros episódios, um núcleo paralelo de personagens adolescentes simulam o clima romântico das comédias de John Hughes. O monstro e o conceito de universo paralelo do seriado têm muito do cinema de John Carpenter e de seu fascínio pela literatura de H.P. Lovecraft. A lição de moral, aliás, é a mesma: há certos conhecimentos proibidos que nunca devem ser explorados pelo homem.
É evidente que a busca por referências é um dos grandes atrativos da série, já confirmada para uma segunda temporada. Tenho dúvidas, porém, se a obra é eficiente sem o efeito nostálgico, como acontece com o belíssimo Destino Especial (2016), de Jeff Nichols. Com certeza é melhor do que Caça-Fantasmas (2016), As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras (2016) e outros caça-níqueis que surgiram recentemente desse eterno revival dos anos 80.