Em 2020, o gênio dos efeitos visuais Ray Harryhausen completaria 100 anos. Morto desde 2013, o profissional desbravou o caminho do stop motion no cinema norte-americano e criou imagens memoráveis em gerações de espectadores por mais de meio século. Seu legado influenciou diretores como Steven Spielberg, James Cameron e Peter Jackson.
Profundamente impactado aos 13 anos, depois de ver o trabalho de Willis O’Brien em King Kong (1933), Harryhausen passou o restante da adolescência criando maneiras de dar vida às esculturas que cozinhava no fogão de casa. No início da vida adulta, mostrava os filmes amadores que rodada em casa ao amigo escritor Ray Bradbury.
A primeira chance no cinema surgiu, justamente, na vaga de assistente de O’Brien, em um filme chamado O Monstro de um Mundo Perdido (1949). O enredo era uma releitura mais otimista e simpática da história de um gorila gigante que se afeiçoa a uma jovem loira, com efeitos especiais ainda mais impressionantes do que no clássico de 1933.
Harryhausen era um sujeito com obsessão em materializar aquilo que imaginava e rejeitava efeitos práticos e pouco convincentes.
A primeira grande criação de Harryhausen no cinema viria quatro anos depois, com a animação de O Monstro do Mar (1953). No enredo, baseado num conto escrito por Bradbury, um lagarto marinho gigante invadia as ruas de Nova York destruindo tudo o que via pela frente. Reza a lenda que o filme deixou uma marca tão forte no imaginário de Ishirô Honda, que acabou se tornando uma das principais influências para a criação de Godzilla (1954).
Nos anos seguintes, Harryhausen criaria polvos gigantes, vilões para as histórias de Simbad e muitos dinossauros. Produções como A Invasão dos Discos Voadores (1956), Jasão e os Argonautas (1963) e O Vale de Gwangi (1969) nunca são lembradas pelo elenco ou pelos diretores. As estrelas são sempre os monstros.
No documentário Ray Harryhausen: Special Effects Titan (2011), de Gilles Penso, o cineasta John Landis defende que Harryhausen foi um dos artistas mais completos no campo dos efeitos visuais. Além de escultor, fotógrafo e diretor, o principal nome por trás de Fúria de Titãs (1981) ainda era capaz de ter uma assinatura visual, facilmente reconhecida ao longo de diferentes filmes.
Ele era um sujeito com obsessão em materializar aquilo que imaginava e rejeitava efeitos práticos e pouco convincentes. No mesmo documentário, o próprio Harryhausen conta que só aceitou participar da refilmagem de Mil Séculos Antes de Cristo (1966) para a Hammer pela possibilidade de ver na tela os dinossauros escondidos por trás dos arbustos na versão de 1940, conhecida no Brasil como O Despertar do Século (1940).
Foi o trabalho de Harryhausen que permitiu que uma geração de cineastas que cresceu entre as décadas de 1950 e 1960 percebesse que era possível criar diferentes monstros para seus próprios filmes. Era nos filmes dele que Spielberg foi buscar inspiração para tirar do papel os dinossauros de Jurassic Park (1994). Inicialmente, Phil Tippett, um dos responsáveis pelos efeitos visuais do blockbuster queria que os animais pré-históricos fossem criados por meio de stop motion. A ideia foi deixada de lado pelo CGI, que traria mais realismo ao visual.
Ao ser questionado em uma entrevista sobre o uso de computação gráfica em filmes com criaturas fantásticas, Harryhausen defendeu a técnica pela qual ficou conhecido: “quando atribuímos muita realidade à fantasia, ela perde um pouco da sua qualidade de pesadelo e deixa de parecer um sonho.” Seus monstros eram estranhos, impossíveis e fascinantes.