Do meu campo avançado de observação, no papel de mãe, vejo uma criança descobrindo o brincar. Aos poucos e a cada dia, observo que pegar os bonecos e repetir as ações de cada dia – ou inventar novas – é uma forma de se reconhecer, de aprender, de criar e principalmente se divertir. As crianças, desde pequenas, precisam brincar. E, quem diria!? Essa questão passou ao largo das minhas preocupações maternas.
Quis saber sobre parto, amamentação, roupas confortáveis para bebês, um jeito de economizar nas fraldas, introdução alimentar. Assim como em outros campos da vida adulta, na criação de um filho queremos que tudo seja prático, útil. Mas há uma questão importante e esquecida. Que faz resgatar nossa própria infância e nos redescobrir: o brincar.
Uma vez, li em algum lugar uma lista (essas, tão comuns na internet) sobre as partes boas de ter filhos. Uma delas era a possibilidade de ser “bobo” em qualquer lugar, sem ser julgado; afinal, você estaria brincando com a sua criança. Agora, vivendo a maternidade, concordo com a colocação, mas vejo a dificuldade em se libertar das “amarras” da utilidade e ter tempo para brincar sem compromisso, sem hora para acabar, sem limites e sem cercear a liberdade, tão natural das crianças. Elas, enquanto brincam, querem ser livres, têm vontade e alegria. Nós, adultos civilizados (não que isso deva ser demonizado, mas talvez a gente leve isso a sério demais), queremos indicar o “como brincar” ou mostrá-los a todo momento como usar o tempo.
Acompanhar uma criança brincando é um momento cercado de redescobertas e de despir-se do script da vida adulta: é preciso ser espontâneo.
Enquanto a criança tenta colocar o imã de geladeira em outra superfície onde não haverá atração, é difícil resistir à tentação de ensinar, mostrar onde é que o imã vai parar, falar sobre as leis da física. Ledo engano, falsa sensação de superioridade. A brincadeira é justamente tentar. Para os pais, doses extras de paciência para deixar as crianças livres: vão tentar, errar, acertar (talvez), se divertir.
“Olhar uma criança brincando é reaprender a dimensão do humano”, disse a pedagoga Maria Amélia Pereira, no documentário Tarja Branca – A Revolução que Faltava, que trata da importância do espírito lúdico e do quanto é urgente voltar a brincar. Acompanhar uma criança brincando é um momento cercado de redescobertas e de despir-se do script da vida adulta: é preciso ser espontâneo.
Além de ser tema de documentário, o brincar importa a pesquisadores. Uma busca rápida em sites de revistas e artigos científicos mostra uma infinidade de estudos sobre o tema, já tratado pelos clássicos da educação Piaget, Vygotski, Montessori (me perdoem os experts da área pelos nomes citados, sou leiga). Isso é bom. Mas é estranho que precisamos do respaldo da ciência para tentar entender e aceitar aquilo que fazíamos de forma natural anos atrás, não é!?
Desde 2009, a Aliança pela Infância organiza a Semana mundial do Brincar, mobilização específica que serve para tentar resgatar a brincadeira, principalmente as de rua, em espaços abertos, comuns; uma vez que isto está cada vez mais esquecido. Entre os objetivos da entidade com o evento, estão o entendimento que o brincar é “coisa séria”, pois envolve aprendizado para a criança, é expressão cultural e cria vínculos.
Porém, na ânsia de preencher o tempo com algo “útil”, que “ensine”, preenchemos a agenda das crianças com atividades, aulas, cursos, compromissos. Na medida do possível, é preciso deixar tempo para o ócio, para o brincar sem compromisso, para o fazer nada, sem pretensões fatigantes.
Para brincar plenamente, a criança precisa de liberdade de tempo, de espaço e de criação. Os adultos cuidadores devem ser os guardiões desse momento, afinal, no resto do tempo temos que nos dedicar a explicar e ensinar sobre comer, lavar as mãos, escovar os dentes e outras tantas tarefas cotidianas que obrigatoriamente precisamos aprender para conviver em sociedade. Talvez a gente deva também reaprender a brincar e trazer essa sabedoria infantil para a vida adulta: olhar a vida com humor e rir mesmo das coisas mais bestas, tentar sem desistir, estar disposto a aprender coisas novas e brincar sem se preocupar com o relógio ou com a lógica, assim como os pequenos.
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