No começo da vida materna (ainda na gravidez) você até pensa assim: “bom, devo ser muito chata, é só um detalhe”, “é só um comentário”, “é só uma brincadeira”, mas depois de um tempo, vem a certeza de quê notícias pavorosas como a de um estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro, ou que na semana passada uma mulher foi filmada por um garçom enquanto ia ao banheiro do bar, ou que mulheres ainda ganham menos que os homens para fazer o mesmo serviço, ou que, ainda, são elas que assumem sozinhas os afazeres domésticos são reforçadas cotidianamente enquanto estamos todos cuidando dos nossos bebês angelicais.
Coleciono uma porção de pérolas que vivi e escutei desde que adentrei neste universo, e é possível perceber algumas práticas culturais – cultura sendo entendida de forma ampla, como os costumes de um povo – estão profundamente enraizadas e tonificam o machismo cotidiano com o qual temos de lidar.
Acredito que o machismo é cultural, fruto de estereótipos e, por isso, é preciso desmistificar em algumas questões e, em outras ocasiões, ser a mãe chata mesmo e problematizar a “brincadeira inocente” ou o “comentário ingênuo”. Pode estar aí um caminho para uma educação de gêneros mais igualitária e mais respeitosa com as mulheres, desde que são bebês.
O vídeo da campanha #LasNiñasPueden explica de forma simples como essa divisão começa cedo:
Incluir as crianças em um mundo multicolorido – sem a ditadura das cores ou brincadeiras ou rótulos pré-definidos – deve resultar em futuros adultos mais felizes e menos frustrados.
Ouvi vários comentários sobre o fato de que nasceria uma menina e, por isso, teríamos que redobrar o cuidado por causa dos futuros pretendentes e o pior deles, dito ao pai da criança: “Compre uma arma para lidar com os namorados!” (!!!).
Bom, espero que minha filha tenha relacionamentos saudáveis e que resolvamos todas as questões que ficarem pendentes de forma civilizada. Não posso aceitar que desde antes de ela nascer, já digam que será inevitável haver violência na relação entre homem e mulher.
Escutei de mães e pais de meninos – que, vá lá, estão querendo ser simpáticos, mas… – que seriam os sogros da minha filha. Ou que um dia ela vai ter vários namorados. Não, gente. Ela é um bebê ainda e, quando for a hora, deixe-a fazer escolhas livremente!
Na loja de roupas e brinquedos, é um suplício encontrar itens mais neutros. Certa feita, quando buscava brinquedos com peças de encaixar para minha menina, peguei um pacote que tinha martelo, alicate, prego (tudo de plástico e em cores variadas). Tive de sorrir amarelo para a vendedora que disse: “Mas é uma menina, esse brinquedo não pode”, enquanto tirava o brinquedo da minha mão. Me senti na terceira série do primário, quando ainda havia coisas de meninas e coisas de meninos. Não é possível que essa sutileza não passe despercebida e não tenha a ver com o que vivemos no “mundo adulto”.
Mas não dá para apenas apontar o dedo para os outros. Por vezes, quando me dou conta, estou dizendo para minha filha tratar e cuidar dos seus bichinhos de pelúcia como se fossem filhinhos. Olha aí a pré-concepção da ideia de que mulheres serão necessariamente mães e donas de casa? Não que essas brincadeiras devam ser excluídas, mas talvez mescladas com carrinhos e lutinhas; assim como com os meninos devemos brincar de ter bebê e cozinhar. Incluir as crianças em um mundo multicolorido – sem a ditadura das cores ou brincadeiras ou rótulos pré-definidos – deve resultar em futuros adultos mais felizes e menos frustrados.
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