Otrecho da música do Arnaldo Antunes que estão no título e no subtítulo deste texto resumem bem a rotina.
“Mãe, o que é aval?”
“Mãe, o que dá se juntar o V, o I, o S e o A?”
“Mãe, eu ouvi que dentro da gente tem um vim (sic)? O que é um vim?”
“Mãe, porque você está com essa cara triste?”
“Mãe, estamos chegando?”
“Mãe, que cheiro é esse?”
“Mãe, tá cedo ou já está tarde?”
“Mãe, porque tem esse buraquinho aqui na tampa do shampoo?”
“Mãe, por que tem um homem em cima do telhado da casa aqui do lado?”
“Mãe, pão e sanduíche é a mesma coisa ou não?”
“Mãe, os macacos comem só banana mesmo?”
“Mãe, por que namorar é coisa de adulto?”
“Mãe, lembra aquela vez na escola que era o dia da fantasia e você esqueceu?”
“Hoje tá frio ou tá calor?”
“Precisa mesmo tomar banho?”
“A gente pode dormir na sala vendo tevê?”
Uma pesquisa de 2011 indicou que as crianças entre 2 e 10 anos fazem, em média, 300 perguntas por dia.
“Posso montar um picnic na grama? Mas com comida de verdade, tá?”
Uma pesquisa de 2011 indicou que as crianças entre 2 e 10 anos fazem, em média, 300 perguntas por dia. E dá-lhe aprimorar as capacidades narrativas para responder sem complicar, explicando de uma maneira inteligível.
Parece ser um passatempo preferido delas e eu ainda me encanto ao ver o encantamento pela descoberta do mundo e de coisas já tão corriqueiras para nós, adultos chatos.
Embora a gente se conecte com essa visão de ver tudo pela primeira vez, é um exercício trabalhoso abandonar as velhas opiniões formadas sobre tudo. E muitas vezes, pela rotina, pela pressa, pelo relógio que não para e parece que passa cada vez mais rápido, os adultos fazem o pior: ignoram esses questionamentos.
Quando a atitude correta seria incentivar essa “perguntação” cada vez mais. Responder as perguntas com outras perguntas. Fazer perguntas diferentes e incentivar novos pontos de vista. Em vez de perguntar: “como foi a aula hoje?”, perguntar: “alguém contou uma piada hoje?”, “alguém brincou de amarelinha?”, “qual era a cor do sapato da professora?”, “com o que você sonhou hoje?”, “e se a gente comesse de olhos fechados?”, “que tal pintar o céu de rosa dessa vez?”…
Incentivar o questionamento só pode ser positivo para as conexões neurais dos pequenos cérebros em constante desenvolvimento.
Um dos privilégios de conviver tão proximamente com crianças é se espelhar nelas para reativar esse espanto contínuo com a vida. Como cientistas malucas, essas perguntas tão tolas e ao mesmo tempo tão profundas nos ajudam a buscar a resposta para o sentido da vida: passar os dias surpreso e maravilhado com o mundo.
E continuamos com o Antunes:
“…As pedras são muito mais lentas do que os animais
As chuvas vêm da água que o sol evapora
As músicas dos índios fazem cair chuva
Os dedos dos pés evitam que se caia
Os rabos dos macacos servem como braços
Os rabos dos cachorros servem como risos
Palavras podem ser usadas de muitas maneiras
As vacas comem duas vezes a mesma comida…”
(Maneiras, Arnaldo Antunes)