Esta coluna que, em geral, trata de livros, filmes, séries, desenhos e outras atividades culturais relacionadas à maternidade e à infância, desta vez não poderia deixar de falar de um tema da vida prática, mas que afeta firmemente o aspecto cultural da vida de pais e filhos.
O dilema da volta às aulas, em meio a uma pandemia mundial – que embora apareça com menos força no noticiário continua firme circulando ar afora – não deixa ninguém definitivamente tranquilo.
Vejo eu mesma e mais todos os pais que conheço ansiosos pelo destino escolar dos nossos filhos. Vejo a preocupação de professores e equipe pedagógica: como fazer dar certo um esquema de sistema de ensino híbrido se falta gente, falta recurso, falta tudo? Vejo quem seja contra, vejo quem seja a favor…
E vejo os olhinhos das minhas pequenas meninas de 5 e 4 anos brilhando quando veem outras crianças e a possibilidade remota de brincar. Vejo como elas estão carentes: querem conversar com qualquer estranho na rua, querem abraçar prestadores de serviço que eventualmente veem à nossa casa.
Vejo, não sem dor no coração, que elas ainda lembram do nome das professoras e dos coleguinhas do ano passado, repetiram as mesmas histórias e brincadeiras, rememoram as vivências… Criaram mundos gigantescamente fantasiosos, muitos (mas muitos mesmo) amigos imaginários que vivem chegando aqui em casa e brincando, fazendo festa, ensinando a elas coisas que aprenderiam na convivência com outras crianças, mas que agora só imaginam mesmo. Vi que elas odeiam tudo que se relacione ao trabalho, afinal, nesses 10 meses com dois pais em home office, trabalho significa hora de fazer silêncio, hora de aceitar que ficarão para depois, hora de abrir mão dos pais para alguns desconhecidos…
Voltar às aulas é mais do que reabrir uma instituição: é promover a reinserção social das crianças, mitigar os prejuízos que estão tendo justamente na sua época de ouro do desenvolvimento cerebral.
Vi minha menina mais velha questionando se, caso eu tivesse um bebê naquele momento, em quantos dias ele poderia brincar com ela… Na segunda vez, no parquinho vazio em 10 meses, a mais nova me faz a pergunta que, novamente, corta meu coração: “mamãe, será que é hoje que vou encontrar um grande amigo especial no parquinho?”. Mal sabia ela que só as levei porque sabia que o local estaria vazio…
Voltar às aulas é mais do que reabrir uma instituição: é promover a reinserção social das crianças, mitigar os prejuízos que estão tendo justamente na sua época de ouro do desenvolvimento cerebral. Mas você acha que essa é uma decisão fácil ou que os pais só querem um lugar para “largar as crianças”? Sinto lhe informar que está errado e que se fazer esta pergunta é mais um claro sinal do quanto as crianças não são vistas como indivíduos e o quanto são invisibilizadas como minoria que são (e junto com elas, as mães e outros cuidadores).
Ninguém dorme tranquilo diante desse cenário: professores assustados, com pouca informação. Que talvez não recebam máscaras e álcool gel suficiente. Que terão de ter um controle muito mais rígido das crianças em sala de aula. Para nós, é saber que escolher a escola é decidir que não terão mais o contato tão próximo com os avós e que se 2020 foi um ano péssimo para a saúde mental das crianças, em 2021 será mais complicado para os cuidadores delas.
Em outro contexto, mais positivo, com um governo e gestão de crise decentes, se alguém me dissesse que até o fim de 2021 todos estaríamos vacinados ou pelo menos levando a sério a existência de um vírus mortal (e que é um roleta russa, pode não acontecer nada ou acontecer tudo), eu adiaria o retorno às aulas. Mas imagine o que será o efeito de mais 3 ou 4 anos de crianças fora da escola?
Voltar às aulas no meio da pandemia é a pergunta sem resposta: vale a pena o risco? Não sei. Veremos, daqui a 3 ou 4 semanas, um cenário apocalíptico que exigirá que as escolas voltem a fechar? Talvez. Dependemos da consciência de cada um aplicada à coletividade: seguir os protocolos, estar atento aos sintomas…
Depois de tantos parágrafos, a pergunta sem resposta continua assim: sem resposta. Se aproxima o dia do retorno às aulas na rede municipal de onde moro e ainda estou sem saber o que fazer. A escola, sacrossanto local de contato com o diferente, com os outros jeitos e culturas, pode ser também o lugar de sentença de morte. Alguma sugestão?