Fez parte da minha infância/pré-adolescência e, quando vi disponível na Netflix resolvi apresentar Matilda às minhas filhas (talvez um pouco cedo…) . Na primeira vez escutei reclamações, crianças não gostam de “coisas de adulto” na tevê, ou seja, o que não for desenho animado. Mas as seduzi dizendo que quando eu era criança via aquele filme e que ela era mágica…
Pela terceira tentativa de uma “sessão assistida” (como eu chamo quando fico junto com elas, consumindo algo na tevê e explicando o que está acontecendo), o filme finalmente chamou atenção das minhas pequenas telespectadoras. A história é sobre uma menina inteligente e solar que, com truques de mágica, deixa para trás uma família chata e uma escola sombria.
Este é o resumo do enredo da obra que apresenta muitas mensagens implícitas: os pais da menina, trapaceiros e arrogantes, são viciados em televisão. A menina é renegada e meio que cresce e aprende tudo sozinha, por meio dos livros, suas únicas companhias. Quando os pais se dão conta que a menina está na idade de ir para a escola, ela fica encantada com a possibilidade mas recebe um belo balde de água fria: a diretora, autoritária e pouco interessada no ensino de fato, consegue ser pior que os pais, pois além de pouco inteligente, inflige castigos físicos às crianças. A reviravolta se dá quando os vilões são desmascarados e a criança, mesmo tão pequena, recusa o seio familiar e passa a viver com a professora boazinha.
A trama trata de três temas centrais que considero muito relevantes. O primeiro deles é a questão das telas: a recomendação da Organização Mundial da Saúde é que crianças até 5 anos não fiquem mais de 60 minutos passivas diante das telas de tevê, computador ou celular. As crianças superexpostas às telas ficam muito mais agitadas e sedentárias. No filme, fica claro que os pais, que só assistem à tevê, são claramente desprovidos de inteligência e bom senso.
Outra temática relevante é o autoritarismo da professora. Na escola, onde a menina imaginava que encontraria educação e liberdade, se vê diante de uma péssima liderança, vingativa, pouco afeita ao conhecimento, à alegria das crianças e à independência que o conhecimento possibilita. Ser autoritário demais não funciona com as crianças. Estamos, em geral, na eterna luta de encontrar o meio termo entre limites e segurança. E não é fácil. Mas o caminho da arbitrariedade parece ter o efeito contrário com os infantes: quanto mais dura uma ordem expressa sem justificativa, mais rápido ela será burlada (lição que aprendo cotidianamente…).
Ser autoritário demais não funciona com as crianças. Estamos, em geral, na eterna luta de encontrar o meio termo entre limites e segurança.
Por fim, acredito que uma das cenas mais simbólicas é quando Matilda dá as costas à família – que, em um lapso, lembra de resgatá-la – e decide viver com a professora gentil e inteligente. Acho que é um momento importante porque enfatiza a personalidade da menina e seu livre-arbítrio. Tendemos a achar que as crianças não sabem escolher as coisas por si só, mas a menina demonstra o que vemos em casa, na prática: os pequenos sabem fazer escolhas e precisam ser incentivados a fazê-las. Obviamente não vamos querer que eles decidam morar com outras pessoas mas, nas coisas pequenas: o que comer, o que vestir, do que brincar… na medida do possível, devemos dar autonomia total. É aprendendo a escolher (e arcando com as consequências de algumas delas) que vejo grande aprendizado para os pequenos.
Aqui, com as minhas filhas, acabo usando os recursos do filme como pressão psicológica (não que me orgulhe disso, mas…). Se elas estão há muito tempo na tevê e não querem “largar o osso” é infalível rememorar os pais pavorosos da Matilda: “lembra dos pais da Matilda!? Pois é, eles só assistiam à tevê…”. No mesmo instante elas descobrem algo a mais para fazer. Com sorte, já reconhecem o padrão de adulto babaca: desrespeitoso e enganador. A mais velha já me perguntou se ela, quando crescer e aprender a ler, for uma leitora tão ávida quanto a personagem, também conseguirá fazer mágicas e mover as coisas com o poder da mente. Expliquei que talvez sim, mas que com certeza a leitura fará uma revolução, não com efeitos especiais, mas com o conhecimento. Ela ainda acredita que ler a fará mágica. Eu não discordo mais e… também não duvido disso.
Danny DeVito, ator consagrado que atuou na trama e dirigiu o filme, já afirmou em entrevistas que gostaria de fazer uma continuação do enredo. Em janeiro deste ano, a revista The Hollywood Reporter anunciou que uma parceria entre Sony e Netflix poderá produzir um novo filme sobre a história, baseado em um musical lançado em 2010. Uma renovação com certeza geraria uma nova legião de fãs da menina que gostava de ler.
Em tempo, um adendo
Embora a recomendação da OMS seja de regular o tempo em frente às telas e eletrônicos, em época de quarentena e pandemia (ou mesmo nos dias de chuva ou preguiça) não se culpe se teus filhos passarem mais tempo na tevê ou no computador. Mais ainda para pais que precisam manter o teletrabalho: por vezes a opção é deixar na frente da tevê para um tempo de foco no trabalho. Mas, com bom senso, no dia seguinte (ou quando for possível) a gente compensa e faz o desafio dos 100 polichinelos ou de correr em volta do sofá. Mas o peso da culpa materna (ou paterna) faz mais mal do que um tempinho a mais vendo tevê ou jogando videogame!