Você se lembra onde estava vinte anos atrás? 2016 chegou e, com ele, o aniversário de tanta coisa importante. E não estou falando de Mamonas Assassinas e Renato Russo, o assunto aqui sou eu. Em 1996, o Governo do Estado de São Paulo fez uma de suas mirabolantes mudanças no sistema de ensino. Eu, que estudava em escola pública, fui obrigado a trocar de colégio. Até aí, basicamente o que acontecia era um certo medo e receio.
Quando você é um pré-adolescente acima do peso, parece que, além de tudo, você carrega o peso do mundo nas costas. Não basta o teu, tem que ter o peso da pressão de ser um bom aluno e de chamar a atenção das garotas. Nessa, como todo bom gordinho, eu apelava pro humor. Acontece que na nova escola eu perdi boa parte das minhas referências de amizade. Na mudança promovida por Mário Covas, você era movido para uma escola próxima à sua casa. Como a maioria dos meus amigos vivia em bairros mais distantes, lá foi o Alejandro, gordinho e branquicelo – daqueles que você vê até a alma de tão alvo -, em busca de fazer novos amigos. E, claro, isso não seria das atividades mais fáceis do mundo.
Quando você é pré-adolescente e muda de colégio, a situação beira as histórias das séries norte-americanas sobre presídios: você precisa descobrir quem são os valentões, pede licença para a própria sombra, começa andando com os que estão na mesma situação que você, tudo isso até achar qual é tua tribo.
E foi em 1996 que muitas coisas aconteceram em minha vida. E, sim, tudo por conta da mudança de escola. Em alguns momentos, chego a crer que o ser humano que me tornei é culpa do Mário Covas, até mais do que das minhas próprias escolhas. Neste ano, vinte anos atrás, tomei minha primeira cerveja. Sim, eu já não era tão novo, mas é preciso lembrar que em casa ninguém bebia, sendo assim, era até certo ponto comum que eu não tivesse bebido até então.
Em alguns momentos, chego a crer que o ser humano que me tornei é culpa do Mário Covas, até mais do que das minhas próprias escolhas.
Esse é um episódio bem marcante. Por sorte, não acabou em vômito e ressaca. Ao lado do colégio, havia um supermercado que tinha por característica principal vender produtos importados e outros que você não encontrava em todos os lugares. À época, eu era um colecionador de latinhas. Um dia, saindo mais cedo da aula em virtude da ausência de professores – algo comum já há 20 anos -, fomos até o supermercado em questão, eu e alguns colegas de sala, alguns deles mais velhos do que eu. O mercado chamava Gstock, e lá comprei minha primeira cerveja. É fato que o motivo era a latinha – uma linda, da Gaviões da Fiel -, mas para meus colegas era como um recibo de rebeldia e maturidade – veja só, com doze anos. Adquiri a lata e, junto com ela, uma outra da Mangueira e um pacote de chicletes daqueles que vem enrolados, como um rocambole. Você pergunta: “mas como conseguiu comprar sendo uma criança?”. Eu respondo: nada como inventar uma história (leia-se, nada como morar no Brasil).
Dali, partimos para a casa de um colega que morava em frente à praça que havia nas imediações da escola. Pois bem, em 2016 também completa 20 anos da primeira vez que assisti a um filme pornô. Naquela época os filmes adultos não eram tão difundidos como hoje. A internet ainda engatilhava, DVD havia sido criado apenas no ano anterior, então tudo corria lentamente e sendo transmitido apenas em fitas VHS. Eu não lembro muito do filme, mas lembro perfeitamente da sensação de estar ali, e afirmo: não era nada gostoso. Haviam garotas conosco assistindo ao filme; os colegas, todos na sua imaturidade típica, afirmando que já havia feito tudo o que assistíamos na TV; e eu, apenas preocupado em beber a cerveja e não passar mal, além de não dar brechas para uma possível ereção espontânea, afinal, haviam mulheres por perto e, veja só, isso seria motivo para uma chacota eterna.
A memória é um bicho curioso, desses que a gente tenta em vão compreender. Certamente que muitas outras coisas aconteceram vinte anos atrás, mas apenas algumas é que ficaram registradas frame a frame na memória. E é quando eu me pego pensando nisso que lembro-me do Mário Covas, e me pergunto se não fosse ele quem eu seria e quais histórias teria para contar. Acho que nunca saberei.
Ah! Também faz 20 anos da última vez que urinei nas calças. No mesmo colégio. Perto dos mesmos amigos. Mas, bem, essa aí já é outra história.