Tenho que escrever a crônica dessa semana. Vamos lá, sentar na frente desse computador, dentro desse quarto gelado, e fazer acontecer. A última não foi lá essas coisas, o saldo anda negativo, mais entraram na conta do deixar a desejar do que na coluna da direita, mas agora vai.
Sobre o que eu vou escrever dessa vez? Diário de viagem não, faz muito tempo que eu não viajo. Cena urbana, o estranhamento por meio do detalhamento, quem sabe, o olhar do cronista é aquele olhar afiado para o que passa despercebido, todo mundo diz “que sensibilidade o cronista tem para escrever certas coisas que jamais pensaríamos em escrever”. Super legal. Não é pra ser uma crônica muito empolada, porque ninguém merece esse povo que escreve “cousa” e “minh’alma” em periódico, mas também não pode ser muito chula, de registro baixo, isso aqui também não é Facebook. É preciso manter uma dignidade estilística, mas sem parecer pentelho. Leve e reflexivo, como uma prosa boa do Jeffrey Eugenides. Nada de mais, mas nada que não valha a pena ler também. Tem que ter o efeito. É, o efeito do real. Roland Barthes, essas coisas. Tem que parecer crível. Ih, mas já estou escrevendo a meta-crônica. Esse é o pior tipo que existe, não sei como tem gente que ainda recorre a esse expediente baixo para salvar a própria pele. Tantas promessas, tanta expectativa, achei que eu ia fazer aqueeeeele texto e agora estou desperdiçando linhas preciosas em coloquialismos bestas e um texto muito, muito aquém.
Ih, mas já estou escrevendo a meta-crônica. Esse é o pior tipo que existe, não sei como tem gente que ainda recorre a esse expediente baixo para salvar a própria pele.
Droga, agora parece que estou rumando para o pior dos subgêneros da meta-crônica, o da fraude descoberta. Humor autodepreciativo que esconde uma arrogância ímpar, sim, por trás de todo artista que se acusa de fraude há um ego inquebrantável. É isso que estou trazendo para mim agora? Já me descobriram, de certo. Descobriram a falsa modéstia, descobriram o falso coloquialismo, se bobear já descobriram até o falso bloqueio criativo. Esse povo é muito esperto mesmo, não tem mais bobo na internet. Bom, quem sabe eu ainda possa usar essa crônica como ensinamento moral a futuros cronistas que tentarem essa tática de engabelamento? DeFoe fez isso no Moll Flanders, fez uma história cheia de sacanagem e baixaria e lá no meio, um parágrafo dizendo “e que isso sirva de lição para que ninguém caia no mesmo erro que eu”. Estejam avisados que essa ninguém engole mais. Finito. Recurso esgotado. Tipo jogar as cartas em cima do bolo no Truco e acusar de ter recebido quatro cartas. Não tem mais bobo na internet, amigo.
Boa, consegui sair da meta-crônica coitadinha e passei para o bom e velho moralismo. Principalmente velho. Diferente desse novo moralismo que tem por aí. Velhos moralismos, velhas formas, velhos clichês de encerramento. Êta mundão besta.