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Home Crônicas Yuri Al'Hanati

Banheiro de rodoviária

porYuri Al'Hanati
12 de dezembro de 2016
em Yuri Al'Hanati
A A
"Banheiro de rodoviária", crônica de Yuri Al'Hanati.

Imagem: Reprodução.

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Você corre acelerado com a bolsa tiracolo esbarrando em todo mundo e vira a esquina onde se vê o bonequinho pictórico sem as saias para adentrar ao recinto desde já distinto quanto ao cheiro no afã de esvaziar a bexiga que lhe aperta a pélvis mas percebe que está prestes a se confrontar com o pesadelo milenar do banheiro público de rodoviária interestadual. Você foi bem criado, teve aula de piano, aula de pintura, fez judô, karatê, natação, ramain, zerou várias fitas de videogame, aprendeu a tocar guitarra, beijou na boca algumas poucas vezes e sente que isso de alguma forma lhe preparou para a vida no mundo real em que o odor acre de urina rasga a narina mais sensível e coloca em destaque dentro da mente a superpopulação de germes, animais fantásticos e onde habitam. Você não sabe o que é um germe, mas teme e sua frio diante da ideia de que alguma forma de vida por mais microscópica que seja tenha passado da virilha suada de um homem pouco adepto de noções básicas de higiene para algum orifício da sua face depois de uma curta temporada morando em uma maçaneta enferrujada ou na cordinha da descarga que começa branca e virginal perto da caixa e termina negra, decepada e molhada de alguma coisa que, mais uma vez, é melhor não pensar.

Você não sabe o que é um germe, mas teme e sua frio diante da ideia de que alguma forma de vida por mais microscópica que seja tenha passado da virilha suada de um homem pouco adepto de noções básicas de higiene para algum orifício da sua face.

Vai ser melhor pra todo mundo não tirar a bolsa do ombro e colocar no chão, ele é de cerâmica e cinza, mas a textura enegrecida da porcelana tratada pode esconder sujeiras perenes de tempos outros, de uma época em que você jamais pensaria entrar ali por conta própria. Há uma longa fileira de mictórios frugalmente separados por uma mínima barreira de granito cinza. Você passa apressado pelos mictórios vazios como se escolhesse o último de propósito, mas na verdade passa os outros em revista a procura do menos conspurcado, aquele com menos cabelos na borda, de preferência sem chicletes mastigados, sem uma poça amarelada se formando no recipiente que deveria servir para escoar a água no momento em que ela começa a se acumular por ali.

Você escolhe o aparelho de porcelana menos manchado, menos zoado, o que acredita ser a melhor opção para receber os seus dejetos. Faz pontaria em um ângulo mais fechado, perto do fundo, que não levante muita coisa, mas da pequena pocinha formada emana um espectro grosso que baila com força e leveza tal qual uma dançarina de flamenco. Catarro, esmegma? Você resolve pensar menos e evitar incomodar o espectro. Os últimos pingos caem no chão porque você não tem o que é necessário para chegar mais perto do mictório e pensa que uma coisa leva a outra e que essa é a natureza das coisas.

Lavar a mão se torna motivo de ponderação, prós e contras sendo rapidamente enunciados e calculados de cabeça, mas decide que a água e o sabão podem redimir sua presença naquele antro sujo sem qualquer diversão eletrônica. O arame preso no azulejo indica que antigamente ficava ali uma saboneteira antiga, que cedeu seu lugar no tempo para uma garrafa de água mineral furada na tampa e recheada de sabonete líquido verde de espessura indefinida. Menos viscosa do que aparenta, talvez menos eficiente também. Tocar em qualquer coisa ali é girar a roleta. Você pensa na cama em casa, no banheiro limpinho, da empregada que te criou tão bem, do Toddy com leite e misto-quente no crepúsculo, e sente falta de tudo. Tateia o dispenser de papel toalha sem ver que ali só há ferrugem e vazio. Esfrega as mãos com convicção nas coxas da calça e faz uma manobra para puxar a porta pesada com o pé sem encostar na maçaneta.

Alguém ao mesmo tempo empurra para entrar no banheiro e você não consegue encarar a pessoa no rosto. Sente vergonha de estar ali lutando contra algum tipo de contágio hipotético enquanto exerce noções comuns de higiene, como puxar portas de banheiros públicos com os pés. Passa a herança do desespero para o desconhecido que desajeitadamente passa entre a porta e você com sua bolsa tiracolo. Você está livre do banheiro e livre da necessidade fisiológica que te levou àquele lugar. Torce por banheiros melhores, lugares melhores, uma vida melhor. Mas por dentro sente que seu desejo epicurista estaciona quando os produtos de limpeza rareiam. Você sente que já perdeu. É, já perdeu.

Tags: ambiente públicobanheiroCrônicahigienemedomillenialrodoviáriasujeiraurina

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