O barulho da chuva some, mas um ruído estático continua no ar. Abro a janela e constato que o som vem do estádio ao fundo da minha paisagem urbana enevoada. O Paraná Clube é uma espécie de time de futebol, com a diferença que desperta mais compaixão do que rivalidade nos adversários. Um adorável azarão, assim parece. De maneira que toda e qualquer festa maior que a sua outrora pífia e agora em ascendente explosão demográfica torcida faz arranca elogios nas redes sociais pelo que há de belo no esporte. Não sei o que é, mas tenho certeza que não é a aglomeração de bêbados gritando para a grama. Deve ser, sei lá, isso de ir a um estádio e não matar ninguém.
Abro a janela do quarto para me debruçar e fico ouvindo ao longe o som de televisão fora do ar que dez mil vozes desconexas fazem quando amplificadas por uma concha acústica de paredões de arquibancada. A chuva está um pouco fina, só o suficiente para molhar de leve a testa, e o ar fresco da noite cura as feridas pulmonares causadas pelo bafo quente da tarde, que ao longo do dia agrediu toda essa gente desacostumada a viver fora do gelo. Os holofotes parecem querer iluminar a cidade inteira, o deserto negro resistindo à base de insuficientes postes de halogênio. Iluminam as cores vibrantes do estádio, vermelho e azul. A massa cinza do lado de dentro, imagino, são as pessoas que, assim como suas vozes, parecem amorfas e unificadas num único horror.
Eu assisto em silêncio. Sinto uma doce melancolia em me ausentar desse evento de multidões. Gosto da minha masmorra do vigésimo andar. Eles estão lá, e eu estou aqui.
Abro a janela do quarto para me debruçar e fico ouvindo ao longe o som de televisão fora do ar que dez mil vozes desconexas fazem quando amplificadas por uma concha acústica de paredões de arquibancada.
Percebo que falhei em ser um sujeito das massas. Não consigo compartilhar dos gostos que aglomeram as multidões em praças públicas, estádios, sambódromos e boates, ou mesmo aquelas que arrebanham no corpo a corpo, cada uma em sua casa assistindo à mesma tela. Sequer tenho uma turma de amigos que me convide para tomar um trago na calçada ou coisa que o valha. Curitiba me ensinou a ser sozinho ao mesmo tempo em que me mostrou que ninguém pode ser uma ilha. Não reclamo, a solidão me faz bem, constato, enquanto mais uma vez me dou conta de não participar da balbúrdia que acontece há poucos metros da minha casa. Os gritos explodem. Talvez alguém tenha feito um gol, ou chegado perto disso. Não sei. Fecho a janela e volto minha atenção, mais uma vez, para dentro.