Quinta-feira à noite, espero o elevador no térreo do meu prédio junto de um casal jovem com um filho pequeno. O laconismo dos três não me surpreende em terras curitibanas, mas devia ter desconfiado que o silêncio que pairava entre membros de uma mesma família pesava muito mais do que a ausência de todos pesaria no ambiente.
O elevador chega ao térreo, uma mulher que estava do lado de dentro abre desajeitadamente a porta com uma mão enquanto com a outra tenta puxar um carrinho de supermercado com alguns entulhos para fora. A criança não vê, ou não liga, e se antecipa para entrar na caixa suspensa que lhe levará a sua casa. O pai, quase que automaticamente, sem emitir uma única palavra de reprimenda, puxa primeiro a criança pela orelha e só depois tenta fazer sua ordem chegar ao receptor em meio ao choro que se instaura. “Espera”, diz, laconicamente, e a criança fica esfregando a orelha e chorando com uma expressão facial que era puro horror.
De repente, sou involuntariamente jogado em um cenário de conivência com aquela punição desnecessária, ao ter que dividir a viagem de elevador com a família. Entramos os quatro no elevador, eu sem dizer uma palavra, o casal igualmente silencioso e a criança choramingando enquanto olhava para cima buscando no olhar de qualquer outro adulto que não fosse o pai um sinal de empatia ou de testemunho de sua dor. “Não adianta ir até a sua mãe não”, se antecipa o homem quando vê os bracinhos querendo se esticar em direção à mulher. A cara da mãe é um lençol branco bem passado, sem marcas ou dobras que denunciem sua vida interior. Um enigma dentro do enigma.
O pai, magro, de cavanhaque, óculos de aro grosso, moletom e sandália, me olha de canto de olho tentando medir o tamanho da minha reação àquela cena que ele sabia ser normal dentro de casa e completamente anormal fora dela, no país da lei da palmada e da agressão principalmente psicológica. A criança também me olha, mas não me vê direito com os olhos entremeados por grossas gotas de lágrimas. Começo a me sentir parte da agressão ao mesmo tempo que vitimado pelo meu próprio silêncio. E com isso, é bom que se diga que não sou nada simpático com crianças e não gosto da presença delas.
“Começo a me sentir parte da agressão ao mesmo tempo que vitimado pelo meu próprio silêncio. E com isso, é bom que se diga que não sou nada simpático com crianças e não gosto da presença delas.”
A porta se abre finalmente no quinto andar (que corresponde ao nono ou décimo, já que todos os apartamentos têm dois andares), e o pai empurra a criança em suas costas em direção à porta como se insistisse para que agora sim, ela se antecipasse a sair do elevador e da minha vista que julgava sem nada dizer e sem nada poder. Ele mais uma vez me olha de canto de olho e me diz um “desculpe”, meio envergonhado não se sabe exatamente do quê a essa altura, e logo me dá as costas enquanto sai do elevador. Um pouco antes da porta automática se fechar para que eu continuasse a viagem até o último andar, onde moro, ouço pancadas sonoramente violentas e gritos de criança no corredor do quinto andar. A cada nova paulada, um grito desesperado. A urgência pela agressão que não espera passar para o lado de dentro da porta de casa. O grito infantil que é ouvido mas não intercedido. A minha complacência diante de tal cena. O começo da minha noite solitária que será assombrada por uma única memória.