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Home Crônicas Yuri Al'Hanati

Impressões sobre um ciclo de máquina de lavar roupa

porYuri Al'Hanati
27 de abril de 2020
em Yuri Al'Hanati
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Impressões sobre um ciclo de máquina de lavar roupa

Imagem: Roy Lichtenstein/Reprodução.

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Minha mãe disse que seria bom ter uma máquina de lavar roupa de dez quilos para poder lavar edredons quando precisasse. É verdade, lavei edredons nela, mas muito pouco. Poderia trocar o excesso de espaço pela inconveniência e preço de uma lavanderia a cada não sei quantos meses, mas agora o que coloco na máquina são pouco mais de 12 pares de meias, duas cuecas e uma camisa – somando a quase totalidade de minhas roupas brancas.

Pensei em escrever uma crônica sobre um ciclo de máquina de lavar roupa: observar a gênese da lavagem, a água que sobe, para, turbilhona e desce duas vezes, o tambor que gira a uma velocidade fatal para centrifugar, o excesso de água que escorre das roupas coladas às paredes da máquina pela imensa velocidade com que são arremessadas para fora do centro de rotação, o súbito silêncio que invade a casa quando já não se ouvem água corrente, enxágue ou centrífuga. O silêncio que avisa contra o barulho que pede paciência. Disso tudo, extrair algo para além do ato em si. Extrapolá-lo, hiperbolizá-lo, como é meu costume quando quero tratar de paralelos a partir do exemplo.

Talvez a poesia do mundo já não seja mais a mesma e eu, por minha vez, também não seja mais o mesmo. Os braços de meus olhos já não abraçam tudo o que veem com o mesmo carinho de antes, e não afagam mais a fenomenologia da quarentena como eu quis um dia me propor. Os dias parecem a sopa de sabão e sujeira que sobe e desce dentro da máquina de lavar.

Mas a verdade é que enquanto vejo as meias boiando em uma água mais ou menos turva de sabão e sujeira, nada me vem. Não há poesia ou filosofia na manutenção das roupas limpas como eu acreditava – ou, se de fato há, não as alcanço. Talvez a poesia do mundo já não seja mais a mesma e eu, por minha vez, também não seja mais o mesmo. Os braços de meus olhos já não abraçam tudo o que veem com o mesmo carinho de antes, e não afagam mais a fenomenologia da quarentena como eu quis um dia me propor. Os dias parecem a sopa de sabão e sujeira que sobe e desce dentro da máquina de lavar. Difícil distinguir o que é produto de limpeza e o que é produto da sujeira dos dias. O que faz bem e o que faz mal. Os referenciais psicológicos se diluem em uma nova forma de organização da vida que entende o fora como perigo e o dentro como angústia. Vamos todos nos lamentando aos poucos como o sertanejo de Gil, e vir do serrado já não é mais essencial. Sou desgarrado da rês como meu próximo, um rebanho disperso e acuado, apreensivo e ansioso.

As meias se sujam no meu corpo, que se suja sozinho, dentro de casa. Meus óleos, meu sebo e minha descamação fazem a necessidade de limpeza, mas não a sociabilidade. Continuo tomando banho todos os dias pela mesma única razão. A máquina engole as últimas gotas de água do ciclo num gargarejar frenético que acompanha minha respiração acelerada. Um estalo e depois só o silêncio da casa vazia. Paro de respirar junto com a máquina. Solto um suspiro de sufoco antes de estender as roupas no varal.

Tags: ansiedadeCrônicamanutençãomáquina de lavar roupaquarentenarotina

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