No prédio ao lado do meu, há alguém que está aprendendo violino. Não deve ser uma criança, já que treina em casa e durante a noite, na grande maioria das vezes. O som das cordas timidamente arranhadas pelo arco ganham o espaço entre os nossos prédios, que com suas formas côncavas, formam uma espécie de pátio interno. Deve ser algo imoral testemunhar um aprendizado tão incipiente vindo de um adulto, pois a melodia que sai do violino de meu vizinho é lenta e um pouco irritante, como se a música dissesse “eu sei, eu sei, mas preciso aprender, tenha um pouco de paciência”.
Foi depois de dois meses, mais ou menos, que percebi uma evolução. As notas eram atacadas com mais agilidade e, da simples escala que subia e descia, meu vizinho estudante passou aos arpejos, primeiro com o acanhamento de sempre, depois com convicção. Não tive a sensibilidade necessária para notar sua evolução dia a dia, mas ela estava lá. Quando eu vi, já foi, os dedos reconheciam todas as notas dos principais acordes no braço do violino, e sabiam encontrá-las sem maiores discrepâncias em um instrumento não-temperado.
Tive aí a súbita noção do passar do tempo. Não vi o mato ficar maior, não vi as rugas que brotaram em meu rosto, não testemunhei a mudança da posição do sol em relação ao zênite, não percebi meu próprio dinheiro chegando e indo embora com o fim do mês, mas percebi aquele violinista ficando melhor em seu hobby. Uma lição tanto doce quanto cruel. Onde estará esse violinista quando finalmente encontrar as novas rugas em meu rosto? Que parte de seu progresso estará tentando vencer quando os exames de rotina não trouxerem mais um resultado favorável?
Tive aí a súbita noção do passar do tempo.
Talvez continue, talvez deixe o violino de lado, impaciente com seu próprio progresso, invisível em certos momentos até mesmo para si. Lembrará em algum momento que certa vez tentou o violino e, quem sabe se recrimine, pensando no inconveniente para os vizinhos e do desperdício de seu próprio tempo com algo para o qual notoriamente não tem talento, em sua própria avaliação. Mas talvez continue. Talvez se torne um bom violinista, enquanto todos nós envelhecemos. Espero que sim.