Foi com 10 anos que comprei a minha primeira faca. Meu pai me levava para os encontros de moto e me dava um trocado para que eu gastasse nas barraquinhas dos eventos. Anéis de caveira, plaquetas de identificação, chaveiros, spikes e outras bugigangas de motociclista. Estava abarrotado de coisas assim quando parei os olhos numa balisong cromada. Até hoje nunca vi uma balisong – também chamada de butterfly – como ela. Um pouco menor do que o tamanho habitual e com um fio falso fino, mas bem cavado, algo que lembrava uma faca bowie com o cabo giratório típico das balisongs. Era ergonômica e confortável na minha mão de criança. Senti seu balanço, seu peso em minha mão, e me maravilhei com o brilho bem-acabado de seu cromo. Uma faca perfeita para mim. Custava exatamente dez reais – não exatamente uma mixaria em 1997. Se comprasse ela, não teria mais dinheiro para mais nada. Adeus, anéis de caveira, até a próxima, spikes e tocas da Harley Davidson. Minha primeira faca fazia um chamado ancestral em meus dedos que a envolviam.
A faca que joga metal contra as nuvens, a faca que faz lembrar que a vida é feita de carne que rasga e que sangra.
Pedi ao dono da barraca – um cara que até poderia ser considerado jovem, mas que tinha um aspecto bem envelhecido de sol, com cabelos longos e secos que vestia um pouco de tudo o que vendia no estabelecimento – para me ensinar a abrir e fechar a faca girando seus eixos como um gangster tailandês, alegando que só a compraria se conseguisse dominar pelo menos a manobra mais básica. O falso velho não parece ter visto nenhum impeditivo moral em ensinar uma criança a manejar uma faca, pois foi exatamente isso que ele fez. “Olha aqui, você segura nessa parte onde a lâmina não vai fazer uma guilhotina nos seus dedos”, e demonstrou batendo o fio falso nas costas de suas falanges. Experimentei. O metal girava de maneira perigosa em minhas mãos e pude experimentar, ainda criança, um fascínio pela prelazia da morte que, de certa maneira, jamais me abandonou.
Quando consegui que sua perna solta aterrissasse confortavelmente na minha mão, com a lâmina apontada para cima, a faca aberta em toda sua graça, paguei os R$ 10 ao homem. Sabia que meu pai jamais aprovaria aquela compra, então mantive minha arma escondida até a volta para casa, quando seria inevitável vê-la. As memórias das broncas que eu tomei na vida são todas meio turvas. Lembro da gritaria, lembro da afirmação reiterada sobre aquilo não ser nenhum brinquedo (o que só me causou mais fascínio, afinal de contas eu estava na idade de não querer ser associado a nenhum brinquedo). A preocupação do meu pai me animou com a minha compra, e de alguma forma consegui convencê-lo a não tomar a faca de mim. Disse que só comprei pelo malabarismo da manobra perigosa de abertura e fechamento da lâmina, e prometi, diante de sua insistência, de que jamais a tiraria de dentro de casa nem mostraria a meus amigos – uma promessa que quebrei alguns meses depois, mas isso é assunto para outra crônica.
Aquela faca foi a minha primeira faca. Muitas vieram e se foram depois dela, mas a única que conservo comigo, da longa e belíssima coleção de facas que já tive, foi essa. A que comprei aos 10 anos de um falso velho, e que forçou em mim as noções de responsabilidade e perigo, a corda e o penhasco por onde a vida adulta caminha. Quando ganhei uma faca automática de presente de aniversário do meu melhor amigo, pensei em retomar a coleção, mas logo desisti. Não se pode tirar a pessoalidade de uma faca com uma coleção. Alguns dizem que o verdadeiro amor é sempre o primeiro. Não entendo muito de amor, mas sei que a verdadeira faca, aquela afetiva, é sempre a primeira. A faca que joga metal contra as nuvens, a faca que faz lembrar que a vida é feita de carne que rasga e que sangra. A vida grita por adrenalina ao mesmo tempo em que se recolhe diante do perigo real. Sua pulsão se agiganta e se apequena como nos cogumelos de Alice. E viver é muito perigoso, já dizia o caubói. Foi o que aprendi com a minha primeira faca.